Existe o fracasso da educação pública, e existem causas.

O fracasso da educação pública é algo assimilado pela opinião pública brasileira. É como falar sobre a corrupção na política. Admite-se, mas não se enxergam causas nem soluções. É mais um mal da sociedade brasileira que, grosso modo, nem adiantaria trazer para a discussão. Poderia ser mais um tema para humorísticos e discursos de palanque, mas o brasileiro não quer se envolver no problema. Rende reportagens na televisão, denúncias na imprensa, mas não é algo que tire o sono daquele que frequenta uma escola ou manda seu filho passar horas diárias em uma delas. Nada além de mais uma fraqueza do país.
Existe uma vasta bibliografia sobre o fracasso da escola pública. Mas que é feita para educadores preocupados com currículos e metodologias. Na verdade, é um diálogo que se efetiva apenas no meio acadêmico. E que acaba influenciando decisões políticas. Estatísticas, avaliações institucionais. No entanto, quem trabalha ou trabalhou na escola pública e, além disso, estudou nela, sabe que as causas de seu fracasso se evidenciam nas ações cotidianas ali praticadas. Há inúmeros culpados. Diretores, professores, alunos, pais, pedagogos, burocratas.
Existe uma máscara encobrindo as causas desse fracasso. E que encobre soluções que ultrapassem os âmbitos curricular e metodológico, com todos os recursos físicos que estes envolvem. A máscara cria falsos mitos para encobrir os verdadeiros culpados. Ela erige falsos mártires. Transforma em vítimas aqueles que são imediatamente culpados pelas ações que levam ao fracasso. E que insistem nessas ações.
Não há dúvida: as causas são muitas. Vão desde a aula mal dada à aula nunca dada. Entre uma e outra, a máscara é construída por todos que estão envolvidos no processo educacional. E atrás dela existe um mundo inacreditável, que a imprensa não denuncia, que o acadêmico não coloca em suas pesquisas, que a autoridade finge não perceber, e que existe porque inúmeras pessoas ganham com esse fracasso. E são ganhos de inúmeros tipos.
Por que não falar sobre isso? Mas falar do ponto de vista de alguém que presenciou cada uma das causas desse fracasso aqui apontadas. Desde a vida como aluno até o trabalho como professor e pesquisador. Alguém que estranhou a probição que recai sobre essa discussão. E que passou a ver a própria discussão oficial sobre o assunto como uma máscara. Dizer que a escola ganhou um computador ou que não o possui é só uma forma de não se dizer que o instrumento vai ser usado para burlar o processo pedagógico. Mas, quem o disser estará fora da dança de quadrilha que é o debate sobre educação, não formará um trenzinho nem girará no círculo daqueles que se envolvem no assunto.
É preciso ter a coragem de dizer: na educação pública acontece isso, acontece aquilo, e tudo isso gera o inevitável: o fracasso. Que nenhum dos programas oficiais voltados para a melhoria do ensino público vai conseguir vencer. Tal como a escola pública acontece hoje, ela só poderá acabar em falência completa.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Imagens de selvageria: estudantes universitários de lá e de cá

Há pouco o site UOL mostrava a história de uma brasileira que conseguiu estudar na Universidade de Harvard.
A típica história de vida de alguém que estudou. Estudou muito. E havia nisso prazer e objetivo. Alguém que leu. E sabia que a leitura ainda é a principal fonte de conhecimentos, já que a escola é passageira e ensina meia dúzia de assuntos.
O fato de a aluna ter se envolvido com projetos de ensino, entre pobres de um país pobre, certamente contou para que entrasse na prestigiada universidade. Mas é preciso, de fato, formação e conhecimento, medidos em exames diversos.
Então a garota, que saiu de uma família pobre, pode dizer que está realizada. É o típico modelo de estudante universitário pensável: faz projeto, que executa, estuda três horas em casa para cada hora em sala de aula. Lê, se informa. Estuda muito. Algo que poderia ser um arquétipo.
Mas não é.
Na quinta-feira à noite, fui buscar um documento de uma aluna numa universidade. Era noite. E eu quis chegar em um horário quando alunos estivessem em suas salas de aula. Chovia. Mas quando estacionei a poucos metros do departamento aonde tencionava ir, havia uma imensa movimentação de alunos em frente à entrada. Alunos que gritavam, ostensivamente, e portavam garrafas, fumavam muito. Era horário de aula. Mas eles gritavam o nome de seu curso (um daqueles de educação) como se fosse uma provocação, do tipo "sim, nós podemos", bem diferente do que a estudante de Harvard poderia ouvir por lá. Fiquei com medo. Esperei no carro até que se dispersassem. Havia garrafas no chão, papeis, latas. Dava nojo.
Mas eles decerto foram para suas salas. Estudar?
O que me incomoda é a quantidade de fotos que tenho visto, nas redes sociais, de alunos com garrafas de vodcas, uísques, tabaco (só?), no pátio de uma universidade do interior do estado, a maior particular de Londrina. Roupas molhadas, copos na mãos, dedos apontando que as garrafas já estão vazias. Em algumas fotos, aparecem carros da polícia, com luzes acesas; em seguida, esses carros aparecem cercados pelos alunos, em sinal de provocação. Deve ter havido tumulto. Um troféu para o aluno ostentar, em vez de participação em projetos ou em cursos de extensão. Alguns "universitários" eu conheci lá no interior, estudaram em escolas onde trabalhei, eram filhos de funcionárias. Percebe-se uma multidão imensa, quase como se nenhum CDF (como que era mesmo a expressão?) tivesse ficado na sala estudando. São fotos enviadas diariamente, há mais de uma semana, repletas de gírias e expressões que tentam insinuar essa condição: nós somos os maiorais, porque, em vez de estarmos estudando, estamos bêbados diante das salas de aula. Bebedeira, misturada a palavras que denotam um nível baixíssimo de formação escolar (nos comentários e na identificação de cada foto), e o orgulho de poder dizer que o estudo não é necessário. Também a concordância de colegas que talvez nunca pisaram em uma universidade, do tipo "estamos orgulhosos de vocês", "por que não convidaram?", porque no lugar fariam o mesmo.
Que pena! É essa aí a introdução dos nossos universitários, sobretudo nas instituições particulares, a uma rotina escolar. Aqui, a relação é: quantas horas a menos do que a carga-horária mínima exigida cada aluno estuda? Nada de três horas a mais, nada de tantas leituras para complementar as aulas.
Tais fotos até podem ser uma resposta à repercussão da morte de um estudante universitário na UNESP ou ao fato, de ali perto, um outro ter agredido um idoso. O olhar vermelho que debocha e diz: com a gente é assim mesmo. É nois! 
Motivo de orgulho para universitários saber que "um de nois" morreu após beber mais de vinte copos de vodca, por isso, a necessidade de mostrar as garrafas da bebida. 
O nosso meio universitário vem sendo feito de analfabetos funcionais que mal respondem a dez perguntas para ingressar em uma instituição superior. O fato de essas instituições poderem ser negócio faz com que elas não devolvam nenhum retorno à sociedade. Mesmo a legislação as definindo como sem finalidades lucrativas, o dono da instituição referida acima é um dos poucos bilionários do país. 
E são esses os alunos que um dia se formam nas escolas públicas e estão entre os poucos que decidem fazer curso superior. 
Há exceções? Há. 


quarta-feira, 4 de março de 2015

O empreguismo: condição para o fim da greve

É estranho, não?
Até o final de janeiro, as escolas paranaenses estavam com seus quadros de funcionários praticamente fechados. Havia uma reclamação imensa quanto à diminuição de turmas e ao aumento de alunos nelas. Mas esse aumento, conforme ouvi de professores, já vinha acontecendo nos últimos anos. Nada de novo no front. Nada além da reclamação dos professores e funcionários temporários (aqueles temporários por 30 anos) de que não haveria lugar para eles. Que tinham comprado carro, financiado uma casa, e agora não teriam como pagar.
Todo ano letivo começa assim, e esses funcionários depois fazem gracinhas dizendo que, eles sim, não precisam passar por semanas pedagógicas e elaboração de projetos político-pedagógicos. Nada de novo no front.
Mas então termina janeiro e o governo não paga a esses funcionários nem terço de férias, nem atrasados, nem rescisão de contratos. Dinheiro em jogo. E então começam a surgir rumores de que o governo havia dado calote nos professores. Tudo era apenas uma brincadeira, com paródias no Facebook, mas foi crescendo, crescendo, até que o governo enviou à assembleia o pacote com medidas de redução de gastos. Praticamente o mesmo que, lá em Brasília, fora tomado pela presidência da república. Ou o mesmo que, em 2012, foi tomado na Alemanha diante da crise. Reduzir custos, mexendo em alguns direitos redundantes, como o auxílio-transporte quando o funcionário está inativo. 
Tantos governos anteriores se tornaram bem quistos e bem vistos pelos professores graças à concessão de benesses, como auxílio-transporte. Que representam valor significativo no salário dos professores, porque aquele é baixo. Ninguém reclamou porque governadores não cumpriram direitos já garantidos por lei. Como a lei do piso salarial. Era como distrair com um pirulito a criança que está sonhando com um tênis melhor. Ninguém reclamou pelo fato de o governo não cumprir a lei que existe há quase dez anos sobre o número de alunos por turma.
Mas o não pagamento de salários é medida irresponsável, desonesta, e reclamar esse direito é algo tão racional como se alimentar e dormir. 
Evidentemente, a preparação para uma greve fez com que os professores entregassem nas mãos do sindicato uma carta-branca para falar em nome de todos eles. Ficou estranho, não? Aquelas bandeiras vermelhas em frente à assembleia, entre outras partidárias, que representam o sindicato mas não a categoria, pessoas colocando no alto-falante os temas mais clicherizados da luta contra o capitalismo. É como afirmar que os 20 mil professores presentes votaram por unanimidade uma ou outra coisa. Quem contou? Mas é o que está divulgado. (http://www.appsindicato.org.br/Include/Paginas/noticia.aspx?id=11099E) É discurso, não é fato. Entram no discurso as privatizações da década de 90, a terceirização de serviços, a crise da água no estado vizinho. Tantas coisas. Mas não, evidentemente, o grupo de pessoas que estavam acampadas a 100 metros dali, em frente à prefeitura, reclamando contra o aumento do preço das passagens no transporte público. Afinal, eles gritavam contra um dos partidos que agitavam bandeiras em nome dos professores. Jamais se ouviria um "juntem-se a nós". 
Outras coisas vieram. A pauta de reivindicações atinge medidas que vinham sendo tomadas há anos. Agora, sim, professores perceberam que a falta de estrutura nas escolas vinha prejudicando seu trabalho. Afinal, nunca vi uma manifestação, uma folha assinada contra isso, nos 20 anos em que permaneci como professor de escola pública. Era um estado natural, como ter estatura baixa e um dia ter sonhado em ser modelo. Escola pública não tem recursos. Ponto final. Professor não reclama nem contra a fila de alunos que ficam sentados no alambrado fumando, atrás das janelas, matando aula, e que tornam o ambiente irrespirável, além de desrespeitarem leis federais, estaduais, municipais, locais, regimentos. 
Conforme os professores foram mostrando poder, o governador foi cedendo. Concedeu os salários, os terços de férias, as rescisões, as benesses, só não tem dinheiro para fazê-lo. Nessa hora, a categoria vaia: o dinheiro precisa aparecer. O sindicato então tripudiou: quer a contratação de cerca de 5000 funcionários concursados. Antes que os professores retornem ao trabalho e o ano letivo se inicie. O que significa, de imediato, a convocação, o agendamento de exame médico, a realização de exames e o tempo para recebimento de diagnósticos, então, finalmente, a contratação e a assinatura do termo de exercício na escola escolhida. Evidentemente, o tempo para isso tudo é longo. 
Da mesma forma, seria algo mais lógico o pedido de contratações de concursados, como forma de regularizar a carreira de professores e funcionários que atuam como temporários. A contratação destes acabaria, praticamente, com a carreira de muitos temporários. Lembro que esse era um assunto proibido dentro das escolas: jamais se falava em chamar concursados, pois seria ofender a colega que se servia de leite com chocolate. Ela fez uma licenciatura aos sábados, ou por internet, e não tem nenhuma obrigação de conhecer, por exemplo, didática. A categoria insiste na contratação desses funcionários, como se o estado tivesse a obrigação de tutelá-los. Algo que, há muito, vem fazendo. Essas pessoas que gritam contra a terceirização de serviços não entendem que funcionário temporário é terceirizado, como o pintor chamado para rebocar a parede ou o encanador que conserta o vazamento. Recebem pelo serviço que prestaram. Mas não são "do estado", como gostam de alardear. Não podem ter um plano de carreira, o que é imoral. A categoria acaba por exigir a criação de cargos e postos de trabalho, pensando unicamente naquelas pessoas que, mesmo sem concurso público, exercem cargos. Elas são mais importantes que alunos no nosso sistema escolar. Sempre foram.
O tal do "porte das escolas" é uma forma de elas terem ali dentro quantas pessoas quiserem chamar. Mas... por que será que de todos os regimentos de escolas que possam ser procurados em suas respectivas páginas na SEED, nenhum passou pela correção de algum pedagogo? Ou por que todas as provas, os planejamentos docentes, tudo que consigo nas escolas, também descumpre a lei e nenhum funcionário viu?
Inclusive os projetos executados em contra-turno, apenas pretextos para a contratação de parentes, amigos, gente que às vezes têm só a matrícula na faculdade como passe de entrada para essas benesses. Quem vai às escolas, vê dois ou três alunos jogando xadrez, ou brincando de três cortes na quadra. E ali estão dois projetos (que o próprio governo usa para dizer que está implantando o ensino em tempo integral). Um executado pela filha da diretora; o outro, por uma prima da professora de matemática. O sindicato e a categoria não aceitam o cancelamento desses projetos. Em um estado racional, haveria algum comprovante de resultados e, a partir destes, o governo poderia ou não cancelar. Aqui, não há exigência de resultados. Há, sim, uma tradição escolar de que a secretária arranje um cargo como Agente Educacional II para o namoradinho da filha. Na nossa tradição, essas pessoas que surgem de mãos abanando vão parar nas bibliotecas escolares. E têm relação direta com a nossa tradição da decoreba (nas provas) e da cópia (nos trabalhos). Ai do professor que pedir um trabalho (mesmo cópia) com mais de uma fonte de pesquisa! 
Parece estranho que as escolas tenham se tornado local privilegiado para o empreguismo. E que a categoria tenha essa situação de favorecimento como moral. Havia tantos cartazes nas manifestações com a palavra "ética" que é de achar estranho (não é?) que eles queiram manter uma tradição que é a dos politiqueiros de cidadezinha. 
Agora, ela é condição para a volta às aulas. Certamente, a categoria vai aceitar sem problemas a violação de leis que exigem exames laborais para contratações. Afinal, é emprego. 
A nossa escola também é parte de nossas tradições políticas. Será que Anchieta já fazia isso?


http://app.com.br/greve/?p=1189

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1598207-justica-determina-que-professores-em-greve-no-parana-voltem-ao-trabalho.shtml

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Ensino de arte: há mais corrupção nele que em tantas salas de governantes


Arte, divina arte. O que fazem contigo nas escolas públicas? Quem são os profissionais que se encarregam de ensinar-te? Será que eles sabem o teu conceito? Estudaram a tua história? Sabem as estéticas que te constituem?
Será que são professores que pegaram aulas de arte sem terem nenhuma formação na área? Será que são pessoas que, nas suas vidas pessoais, nunca se importaram contigo? Pessoas que debocham dos grandes artistas, transformando seus nomes em apelidos? Pessoas que agem como idiotas diante das grandes obras das artes espaciais? Que nunca leram as grandes obras da literatura? Jamais ficaram uma hora diante de um grande filme? Nunca pisaram em um teatro?
Quem são elas? Só se pode saber, grande arte, que elas acreditam que essas coisas reproduzidas abaixo são arte. São trabalhos dados a alunos de oitavo ano. Ou seja, a ignorância é assustadora. Pintar o coelhinho ou escrever chavões sobre mãe, não seria isso tudo a blasfêmia que te ofende, grande arte? Não haveria um inferno para esses que te ofendem?
Parece não haver. Elas passam vinte, trinta anos como professores de arte. Chega o dia em que levam o alunos para pintar as paredes da escola, lixar carteiras, plantar grama, achando que finalmente descobriram uma finalidade útil para suas aulas. Não é revoltante, grande arte, ver professores e diretores fotografando alunos lixando carteiras, lavando os riscos das paredes, e postando essas atitudes antiprofissionais como sendo aulas de arte? 
Por que esses professores aparecem nas redes sociais se fazendo de nervosos porque não conseguiram aulas neste ano? A gente as encontra reclamando nos núcleos de educação, por quê? Por que eles exigem do governo a criação de vagas para eles, que nem ao menos são concursados? Muitos mal fizeram a matrícula na faculdade, não é mesmo? 
Como dizer a eles, grande arte, que para quem te pratica és tu que das sentido à vida? Como explicar que, para um filósofo como Hegel, tu és uma das três manifestações fundamentais do espírito, junto com a religião e a filosofia? Como dizer a essas pessoas que elas passam, mas tu permaneces? Como dizer a elas que um gênio da arte, como Proust, te considera a única coisa capaz de resistir ao tempo?
Não há jeito, não é mesmo? Esses professores nem ao menos conseguem aprovação em concurso nas disciplinas em que são formadas. Nem mesmo as que se formaram em toscos cursos de finais de semana para darem aulas sobre ti. Pintar coelhinhos e recortar revistas é fenômeno que mostra a disposição que os professores têm para proporcionar um ensino de qualidade, que seja formador.
Não é engraçado, grande arte, que esses profissionais se coloquem como capazes de formar o senso crítico do povo, de derrubar corruptos, quando eles gritam diante dos palácios? Isso tudo não é corrupção, grande arte?





sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Exemplo de "formação" de professor: como a falta de habilidades se torna só um detalhe



         Fica difícil compreender a natureza de um documento como este acima.
       Escrito por um aluno de licenciatura em física, contém um trecho de história, outros riscados, mas encimados pelo nome que o identifica. Em seguida, o enunciado pede o resumo de um capítulo de livro. A disciplina é História e Filosofia da Educação. A mesma folha foi usada para vários pretextos, mas só um o aluno concretiza. Usa a folha de caderno para fazer um "desabafo" e deixar claro que não fará a atividade pedida. Ele fala sobre uma provável reprovação na disciplina como se isso nada representasse na sua formação como professor de física. A certeza de que, reprovando ou não, sabendo ou não escrever, estará formado e habilitado para atuar, proporciona a ele a segurança para se declarar inapto. Trabalharia, ao longo da carreira, sobretudo na condição de professor temporário, pois tal professor não passaria, evidentemente, pela redação em um concurso público. Um dos motivos de esses professores terem lutado para excluir a redação do concurso público. Raciocínio rasteiro, do tipo, "eu não preciso saber escrever para lecionar física".
        Poderia parecer uma humilde confissão de falta de habilidade. Mas é uma afronta a quem leciona a disciplina. O aluno se coloca na condição de quem não precisa saber escrever. Mais do que isso, ele escancara uma formação problemática fora da educação formal. Sua linguagem é inadequada para o ambiente acadêmico. Certamente, é a única dominada por ele. Passou pelo ensino básico assim, provavelmente sem nunca ter levado as aulas a sério. Trata-se de um pretexto para que o mesmo possa exibir a linguagem de seu meio. O uso de expressões chulas, típica de meios violentos e de baixa instrução, serve para que se infira o passado do graduando como aluno, talvez a sua formação moral. Ele está querendo insinuar que é para se ter medo. Linguagem chula, usada para mostrar uma atitude de quem não respeita convenções e não se importa com elas. O universo de pichadores, de quebradores de pontos de ônibus, de quem convive com atitudes de inadequação a normas de convívio social, é o que ele quer exibir, com certo orgulho disso. Certamente é um bolsista, mas não deve haver uma exigência de regimento. É quase uma formação continuada, que visasse apenas a formar, sem capacitar.
         Aluno de escola pública. Daqueles que a escola passa para se livrar logo. 
       Mas, independente de qualquer julgamento dos valores sociais que a atitude do aluno desrespeita, fica evidente a sua falta de habilidades. Ele não sabe escrever, nem só em termos de domínio da variante padrão, ou de estrutura de texto, mas de habilidades cognitivas, como entender um capítulo de livro ou de apostila e encontrar nele as ideias, seu tema, a demonstração deste, aquilo que faz do texto uma unidade. Trata-se do aluno que só consegue copiar ou reescrever frases, de modo a acumular um número delas e o mesmo possa dar a tarefa como pronta.
         Este graduando pode ser visto nas escolas públicas, já atuando como formado, através de seus pares. Pode ser visto em inúmeros exemplos de docentes que não dominam a escrita, não compreendem propostas curriculares, documentos oficiais, ou mesmo os livros-texto das suas disciplinas. Mas atuam. Passam o ano letivo mostrando filmes, fazendo alunos escreverem cartazes, ou dando nota a partir da dança na festa junina, do desfile cívico, da colaboração para a merenda. Consideram ridículos os cursos de capacitação, as revistas sobre educação, as propostas, pois eles chegaram a seus cargos sem dominar as habilidades que os capacitariam para as mesmas. E protestam porque o governo chamou para atuar os aprovados do último concurso realizado.
         A certeza da possibilidade de atuar, mesmo sem essas habilidades, é aquela mesma que leva tantos docentes a não ver nenhum motivo para desenvolvê-las. Lembra o meu professor de física, em 1985, que entrava na sala de aula e pedia que cada um saísse por vez, para a direção pensar que ele estivesse dando prova. Quando alguém lhe perguntava se daria conteúdo, ele debochava e dizia que ninguém ali precisava de aulas. 
        É fácil entender o modo como tais graduandos e docentes enxergam a educação. A folha acima só pode ser entendida como uma explicação para essa cegueira.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

O analfabetismo funcional entre graduandos. (É de verdade sim.)






As imagens mostram trechos de provas feitas por alunos de graduação em psicologia.
Poderiam ilustram quais situações, além de serem evidências de analfabetismo funcional?
Podem ilustrar a ingenuidade das instituições, ao acreditar que é possível colocar tais profissionais no mercado de trabalho, pois supõem que eles aprenderiam com a prática. A prática de tais profissionais é a do psicólogo que diagnostica como TDAH aquilo que é apenas má educação. Que sabe aplicar os questionários para diagnosticar a razão de o aluno fracassar a partir de questionários com onze perguntas. 
Seria ingênuo acreditar que tais alunos, que iniciam assim as suas graduações, possam chegar à metade do curso lendo Piaget ou Jung. Não lerão, não apenas porque nunca lhes será pedido, mas porque o analfabetismo funcional implica na incompreensão daquilo que se lê. 
Os exemplos acima são abundantes. O aluno que, em três linhas, escreve o que seria "a partir" de dois modos diferentes evidencia não apenas despreparo, mas falta de atenção, descaso com a atividade, que nem chegou a revisar, além de uma falta gritante de ordenamento do próprio pensamento. A falta de métodos para escrever e pensar está relacionada à incompreensão dos sentidos. Mas também do código. Não há fundo nem forma. 
Não se detecta nem a habilidade de escrever nem a de emitir sentidos. Apenas chavões emitidos numa escrita de aluno em fase de alfabetização. Como se o professor tivesse levado tais provas a uma turma de terceiro ano. Nem sequer os nomes próprios foram escritos com maiúsculas, na maioria dos casos. O aluno copia errado até mesmo o nome do livro que comenta. E seu comentário é feito de frases em que as palavras não formam sequência nem sentido. O que ele quer dizer com "O texto reçalta do livro (...) em utilizar palavras com desumanização"? 
A escandalosa falta de conhecimentos de escrita resulta em frases infantilizadas, em trechos como "Adultos esses mesmo que deveria dificultar o acesso ao uso do tabaco (...)", em que a concordância é típica da oralidade. O aluno parece não ter contato com a escrita formal. Certamente chegou à graduação sem nunca ter lido senão trechos esparsos. 
O que poderia ser "expondendo"? O que faz a frase "por ser populosa" no trecho? O aluno troca as vogais, o que nem se pode ver como problema originado por dificuldade ortográfica. O que pode haver de complexo na palavra "mina", fora o descaso que levou o aluno a chegar à universidade sem reconhecer vogais? 
O trecho em que o aluno escreve sobre ter começado a fumar evidencia que a escrita é, para ele, apenas uma tentativa de tentar grafar a sua própria fala informal, sem nenhuma intenção de produzir um gênero textual ou de adequar-se às normas da variante padrão. É apenas uma série de repetições de frases, como num desabafo em meio ao grupo que fuma junto com ele, no pátio. "Comessei a fumar, fumano" é um exemplo desse analfabetismo, que já não é apenas funcional, mas, ostensivamente, um esforço por tentar grafar uma fala que também não conhece as variações da linguagem. É apenas a linguagem doméstica, que desconhece as exigências da adequação linguística, mesmo quando na forma oral.
Assustador. Repulsivo. Amedrontador. Daqui a alguns meses, esses graduandos estarão avaliando sintomas de alunos, emitindo laudos, sendo colocados para cuidar daqueles mais problemáticos. É fácil imaginar uma psicóloga assim formada "batendo um papo maneiro" com o aluno que está descobrindo os prazeres do tabaco. E dizer: "Eu cheguei até aqui sem nunca ter precisado aprender nada dessas coisas que querem que você estude. Pra que ficar cobrando essas coisas?" 

Escrita de graduandos em letras e de professores das tais. São amantes das letras, sem dúvida.



Os duas imagens se referem a trabalhos feitos por alunos de licenciatura em letras, já em meio de curso. 
O desconhecimento dos princípios da língua portuguesa, que alguns já ensinam como professores temporários em escolas públicas, fica evidente. Desconhecer o uso do verbo "haver" pode parecer apenas mais um erro recorrente dessas gerações que saem das redes sociais paras as universidades privadas. Mas o aluno vai além: o que ele diz é apenas uma séria de frases soltas, sem relação com tema ou com o gênero textual. O que ele quer dizer com "participação especial em cada época de sua existência"? Poderiam não ter nenhuma participação em épocas quaisquer de suas existências? É uma frase de um adulto ou de um pré-adolescente? Mas é alguém que, no ano seguinte, estará com seu diploma de licenciado em língua portuguesa. É uma conclusão de trabalho. Quatro linhas ou menos, sem nenhuma formatação. 
O segundo exemplo é de um resumo de um trabalho sobre escritores latinos. O mesmo desconhecimento acerbo da língua portuguesa. O aluno usa "ambos" para se referir a uma série de autores. Não conhece acentuação. Nem concordância verbal. Em que tempo está "contemplara"? Esses autores têm "uma certa influencia aos estudiosos clássicos"? O que são "estudiosos clássicos"? De onde veio essa regência? Não parece a escrita de um adulto.
São exemplos do que hoje é encontrado em cursos de letras. Imaginar tais alunos, já formados, preparando seus alunos para o Enem, é um belo exercício de indignação prévia. Alguns já fazem isso, como temporários. Seus alunos talvez acabem em cursos com esse mesmo nível de exigência. É uma circularidade evidente. Instituições que vivem de alunos que prepararão, como professores, novos alunos para elas. 
São alunos de cursos de letras. Ou seja, sentem-se vocacionados para as tais. O que seria a escrita de alunos de outros cursos de licenciatura?
Quem for às escolas públicas e ler os documentos que tais professores preparam, já formados, compreenderá muitas das razões para absurdos como os que seguem abaixo.



O desconhecimento do que constitui cada proposta curricular, de qualquer metodologia, e até de princípios de coesão, ou de regras sobre uso de letras maiúsculas, é uma consequência da formação desses alunos. Mas, evidentemente, também é uma opção pessoal, daquele que, enquanto aluno, se recusava a adquirir habilidades e que, depois de formado, sentiu um grande alívio por ter passado incólume pelos cursos de licenciatura. E não vê motivos para mudar essa situação.

O ensino público, laico e includente




As fotos acima são um exemplo evidente do que o ensino público faz com os princípios de laicidade do estado brasileiro.
A primeira foto é de uma escola no norte do Paraná. O Colégio Estadual Padre Guálter Farias Negrão. Trata-se de uma missa no pátio da escola, realizada em dia letivo. Os alunos que não são católicos, como de hábito, ficam sentados à parte, "sem atrapalhar", como pedem os diretores, mas precisam estar presentes para não levarem faltas. E a escola alega que isso é democracia, porque a maioria dos alunos seria católica. É o mesmo princípio que leva alguns estados muçulmanos a fuzilarem minorias de outras religiões em seus territórios. Ou que fazia o Brasil ter religião oficial em épocas das quais esses educadores insistem em não querer sair.
A segunda é do Colégio Estadual Ângelo Gusso, em Curitiba. Percebe-se que não se trata apenas do uso de uma imagem ou de um livro sagrado. É uma altar, inclusive com um arremedo de vela, em frente à biblioteca, área de circulação de alunos. Como esses ícones não se autoproclamam padroeiros de nada, a escolha de uma santa ou outra é critério de quem possui alguma forma de autoridade, algum poder de impor sua vontade sobre os direitos de todos. Com certeza, os alunos também oram durante as aulas.
A terceira foto é de duas imagens, uma grande e outra, menor, colocadas no setor de recursos humanos do Núcleo Regional de Educação de Curitiba. O fato de um departamento, localizado em instituição reguladora, ostentar assim o seu desrespeito pelos princípios constitucionais é uma evidência desse mesmo respeito no que se refere ao cumprimento de outros princípios. As pessoas que ali chegam para serem atendidas já são devidamente caladas, "colocadas no seu lugar", quando os funcionários desse setor evidenciam que não estão se importando com leis de abrangência nacional. A sua idoneidade vai para o lixo.
É comum que escolas confundam a laicidade do estado com ecumenismo, acreditando que todas as religiões devem ser respeitadas, mas a de quem possui o poder de um cargo terá prevalência sobre as demais. A falta de informação leva a essas exibições grosseiras de abuso de poder.
Quando fui perguntar à área do núcleo de educação responsável por direitos acerca desse descumprimento, a funcionária me direcionou ao departamento de ensino, como se o problema não dissesse respeito a aspectos legais. Essas atitudes de obscurecimento de informações funcionam como uma forma de fazer os reclamantes desistirem de direitos conquistados pela sociedade.
Curioso é que essas instituições se definem como educadoras e as pessoas que colocaram esses símbolos ou promoveram esses rituais se definem como formadores de espírito crítico, promotores da cidadania. Educadores, por fim.
Na verdade, ainda não chegaram ao século XVIII. Veem o estado como o espaço onde podem mostrar a sua falta de conhecimento de princípios democráticos e humanistas.
O que será que essas mesmas pessoas fazem com a legislação escolar e com o conhecimento científico? O de sempre. Fazem nas suas vidas públicas o que fazem nas suas privadas.