Existe o fracasso da educação pública, e existem causas.

O fracasso da educação pública é algo assimilado pela opinião pública brasileira. É como falar sobre a corrupção na política. Admite-se, mas não se enxergam causas nem soluções. É mais um mal da sociedade brasileira que, grosso modo, nem adiantaria trazer para a discussão. Poderia ser mais um tema para humorísticos e discursos de palanque, mas o brasileiro não quer se envolver no problema. Rende reportagens na televisão, denúncias na imprensa, mas não é algo que tire o sono daquele que frequenta uma escola ou manda seu filho passar horas diárias em uma delas. Nada além de mais uma fraqueza do país.
Existe uma vasta bibliografia sobre o fracasso da escola pública. Mas que é feita para educadores preocupados com currículos e metodologias. Na verdade, é um diálogo que se efetiva apenas no meio acadêmico. E que acaba influenciando decisões políticas. Estatísticas, avaliações institucionais. No entanto, quem trabalha ou trabalhou na escola pública e, além disso, estudou nela, sabe que as causas de seu fracasso se evidenciam nas ações cotidianas ali praticadas. Há inúmeros culpados. Diretores, professores, alunos, pais, pedagogos, burocratas.
Existe uma máscara encobrindo as causas desse fracasso. E que encobre soluções que ultrapassem os âmbitos curricular e metodológico, com todos os recursos físicos que estes envolvem. A máscara cria falsos mitos para encobrir os verdadeiros culpados. Ela erige falsos mártires. Transforma em vítimas aqueles que são imediatamente culpados pelas ações que levam ao fracasso. E que insistem nessas ações.
Não há dúvida: as causas são muitas. Vão desde a aula mal dada à aula nunca dada. Entre uma e outra, a máscara é construída por todos que estão envolvidos no processo educacional. E atrás dela existe um mundo inacreditável, que a imprensa não denuncia, que o acadêmico não coloca em suas pesquisas, que a autoridade finge não perceber, e que existe porque inúmeras pessoas ganham com esse fracasso. E são ganhos de inúmeros tipos.
Por que não falar sobre isso? Mas falar do ponto de vista de alguém que presenciou cada uma das causas desse fracasso aqui apontadas. Desde a vida como aluno até o trabalho como professor e pesquisador. Alguém que estranhou a probição que recai sobre essa discussão. E que passou a ver a própria discussão oficial sobre o assunto como uma máscara. Dizer que a escola ganhou um computador ou que não o possui é só uma forma de não se dizer que o instrumento vai ser usado para burlar o processo pedagógico. Mas, quem o disser estará fora da dança de quadrilha que é o debate sobre educação, não formará um trenzinho nem girará no círculo daqueles que se envolvem no assunto.
É preciso ter a coragem de dizer: na educação pública acontece isso, acontece aquilo, e tudo isso gera o inevitável: o fracasso. Que nenhum dos programas oficiais voltados para a melhoria do ensino público vai conseguir vencer. Tal como a escola pública acontece hoje, ela só poderá acabar em falência completa.

sábado, 25 de agosto de 2012

Uma única Torloni; milhares de patrícias




Há poucas horas, o site UOL publicou trechos de uma entrevista com a atriz Christiane Torloni, na qual ela faz comentários sobre a realidade do país, para terminar fazendo uma crítica à educação.

O trecho abaixo, copiado do site, contém um pouco da bravata da atriz:

Ela ainda falou sobre o governo da atual presidente Dilma Rousseff.“Novela é entretenimento, não é o programa do mensalão, isso é realidade, os caras têm que ser condenados. Essa é a prova de fogo do governo da Dilma. Dentro do mandato dela está tendo o maior julgamento que a história da República já viu. Isso não vai ficar para o presente, vai ficar para o futuro. Isso é história e nós somos responsáveis por isso. Se nós permitirmos que isso vire pizza, nós vamos merecer tudo que virá pela frente. O [fato do Fernando]Collor estar de volta ao poder, a gente merece, a gente deixou que isso acontecesse”, completou a atriz, referindo-se ao ex-presidente, que antes de sofrer um impeachment, renunciou ao cargo em 1992 e atualmente é senador.

Christiane também fez críticas à educação no país: “Não podemos esquecer que os políticos são funcionários públicos. O brasileiro é um povo que acha que só tem deveres, mas os direitos ele não sabe, porque não aprende na escola. Foi tirado do currículo da educação brasileira matérias que ensinavam para as crianças. Eu sei porque fui uma criança que estudei Organização Social e Política Brasileira, Moral e Cívica, era chato para chuchu, a gente pode até mudar o nome, mas tem que aprender. Se você conversa hoje com uma pessoa de 25, 30 anos, ela não tem a menor ideia do poder que ela tem, dos direitos de cidadania. Por que a Rio + 20 foi esse fiasco? Por nossa culpa. Cidadania não pode ser sazonal, ela tem que ser cotidiana”.


Torloni foi uma personalidade de destaque durante o processo de redemocratização do país. Chamada de “musa das diretas-já”, também estava no palanque de Tancredo Neves e na eleição deste. As pessoas que comentaram a fala da atriz no site não sabem disso. Essa ênfase toda era característica de quem saía às ruas para reclamar dos desmandos no país. Ela sabe que cobrar direitos é algo a ser ensinado na escola. Fazer cumprirem-se as leis.

No entanto, Torloni foi ingênua ao fazer o comentário acima. Vejo nessas palavras a voz das mães das minhas alunas patricinhas, elas mesmas patrícias beneficiárias de um sistema educacional corrupto e fracassado. Novamente, a velha história de que a escola das décadas de ditadura ensinavam valores, entre eles o patriotismo. Palavra que tem a mesma raiz de patrícia. Patrícias patriotas é pleonasmo vicioso e infame. Todo mundo sabe que as disciplinas de Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Educação Moral e Cívica (EMC) eram instrumentos de doutrinação política a serviço do regime. E foram tão eficazes que, ainda hoje, é possível encontrar nas escolas as patrícias colando bandeirinhas para o dia 7 de setembro, mas nunca comparando o regimento escolar com normas federais e estaduais. Essas Terezas Cristinas Patrícias que empurram o ensino brasileiro escada abaixo ainda acreditam que o patriotismo é um valor. Não é o que acham cabeças pensantes:

“O patriotismo é o último refúgio dos canalhas.”(Samuel Johnson)

“O patriotismo é o primeiro refúgio dos canalhas.”(Millor Fernandes)


“O patriotismo é a virtude dos depravados.” (Oscar Wilde)

“Aquele que ama sua pátria não pode amar nada.” (Lord Byron)

“Nunca existirá um mundo tranquilo enquanto não se extirpar o patriotismo da raça humana.” (George Bernard Shaw)


“Todo imbecil execrável, que não tem no mundo nada de que se possa orgulhar, se refugia neste último recurso, de vangloriar-se da nação a que pertence por causalidade.” (Arthur Schopenhauer)

“Heroísmo no comando, violência sem sentido e toda detestável idiotice que é chamada de
patriotismo - eu odeio tudo isso de coração.” (Albert Einstein)


Evidentemente, as frases acima jamais interessariam às patrícias mães de alunos, porque a pedagoga
da escola de seu filho passa horas imprimindo desde o hino nacional ao do morador da rua onde fica a tal escola, que devem ser decorados e cantados. Quem são Einstein ou Schopenhauer diante das senhoras que cantam “Eu quero tchu”enquanto recortam bandeirinhas? E de uma diretora fraca e desinformada, que precisa agradar a elas para poder permanecer fora da sala de aula?

Torloni é ingênua. Acredita que patriotas não fariam o mensalão, ou que protestariam contra ele, quando a História mostra que o patriotismo é que leva tiranos e corruptos a suspenderem leis e direitos em nome do amor que eles têm pela pátria. A suspensão dos direitos, a instauração da tortura, tudo isso é típico do patriota que acredita que censurar a imprensa ou torturar dez pessoas para o benefício de milhões é algo puramente legítimo. Foi um pensamento assim que gerou o mensalão: aprovar leis que beneficiem milhões, em troca de um ligeiro desconhecimento das leis em vigor. A diretora que eu levei à justiça ontem pensa assim. Ela e os que votam nela. Os mensaleiros que processaram jornalistas também pensam assim.

Patriotismo era ideologia da época em que países como Alemanha e Itália se unificavam, e que acabou por gerar duas guerras mundiais. Passou. É lixo superado pela dialética da História. Mas na escola é tão presente quanto o giz e o quadro-negro. Hoje, a pessoa que amava a pátria e morria por ela deveria saber que interessa, não importa em que país, estado ou cidade viva, lutar para que as leis sejam cumpridas pelas autoridades e pelo povo. Isto é racionalidade, não é a cegueira das paixões. É o princípio do estado de direito.

Um exemplo nítido dessa distorção está na minha professora de OSPB, lá na década de 80. A matéria era dada às quintas-feiras, na última aula. O que não era acaso, mas permitia à professora, que já detinha um cargo na prefeitura, aparecer às aulas apenas quando lhe conviesse. Tenho aqui o caderno daquela época: cinco folhas escritas, ao longo de um ano letivo. Nenhum livro, nenhuma apostila, nada além de cinco folhas. E o interesse pelo bem da pátria transparece claramente na atitude de se criar uma disciplina apenas para dar umas aulinhas para aquela amiga da diretora, que nem tem tempo, pois já trabalha 40 horas na prefeitura, mas não pode perder o vínculo com o estado.

Essa cegueira das Torlonis e das patrícias em relação ao ensino de antes e ao de agora faz com que, a cada dia, uma delas exija da escola de seus filhos o uniforme, os hinos, o cabelo bem cortado, mas nunca a observação das leis que podem garantir uma escola honesta e atualizada. Uma Torloni até exigiria, pelo seu passado nas ruas; uma patrícia, nunca. Leis não caem no vestibular. Mas, sobretudo, esta exigiria que não se fale em Einstein, em Schopenhauer, em Shaw, em Wilde, em gente que pensa. O pensamento é o maior inimigo do ensino praticado no país.




 

Dados para avaliação do ensino médio

Nos últimos dias, têm aparecido na imprensa e em sites sobre educação opiniões sobre a mudança no sistema de cálculo do IDEB do ensino médio.
A mudança seria a troca dos resultados do SAEB, usados atualmente, pelos dados do ENEM. A crítica que se faz é que tal mudança seria uma estratégia do ministro para elevar os índices de ensino médio apenas através da alterção da fonte de dados, mas sem que se melhore o desempenho das escolas.
Na verdade, a elevação desses índices é um dado quase acidental. Pode até ser usada politicamente. Mas a mudança é necessária. Os dados do SAEB resultam de amostragens, que levam em conta os resultados de um número reduzido de alunos. É parte do método, sendo comum que escolas escolham a dedo os alunos para essa amostragem. O que resulta, sem dúvida, em um falseamento dos resultados efetivos das escolas. A troca pelos dados do ENEM pode indicar que mais alunos entrem nesses resultados.
Evidentemente, as escolas ainda escolhem alunos para fazerem o ENEM. Há casos de alunos que não se interessam. O que poderia repetir a limitação do SAEB. É um problema a ser resolvido, tornando-se obrigatório o exame. Mas não se pode criticar o ministro pela mudança.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Regimentos escolares ilegais: será que é só por ignorância?


Em 2004, a então diretora do Colégio Estadual Padre Gualter Farias Negrão, em Cruzmaltina, Paraná, em uma atitude evidente de favorecimento, permitiu que uma aluna cursasse o ensino médio sem precisar sair de casa. Os professores é que deveriam providenciar todos os recursos para que a garota pudesse estudar diante da sua televisão e comendo os seus bolos de milho.

Seria ingenuidade acreditar que, em uma cidade grande, como Curitiba, diretores favorecessem alunos em troca de pamonhas ou frangos caipiras. A atitude de alunos que falam em pagar para passar de ano, que bastam alguns reais e eles conseguem nota, é sintomática de que existem outros tipos de favores. No interior, lembro que um aluno fraco alardeava que havia passado graças a um presente dado a uma professora. Em uma cidade grande, esses presentes certamente existem, para que alunos tenham tão entranhada em si uma cultura de favorecimento.

As diretrizes curriculares do estado condenam o sistema de “toma lá dá cá” que ainda prevalece em sistemas de avaliação. Mas ele se refere, evidentemente, às avaliações que não exigem um processo de acompanhamento do aluno, aquelas que o paizinho pode fazer para o filho ou pagar para que profissionais façam. Até mesmo, a simples atividade de decorar respostas ou colar trechos da internet. Conheço professores que montam blogs de trabalhos escolares prontos, já prevendo que as escolas jamais fariam algo diferente.

O interesse com que diretores se apegam a modelos de avaliação condenados tantos pelas leis federais, como as LDBEN, como pelas estaduais, como a deliberação 007/99, assim como condenados pela produção científica, é um sintoma claro de que há mais coisas sob esse apego do que apenas ignorância.

Acreditar que uma diretora que comete dezesseis erros de escrita em um bilhete de seis linhas para pais de alunos compreenda essas leis ou essa literatura científica é como esperar que o aluno de ensino médio compreenda a Crítica da razão pura. Afinal, não é idealismo o que tira esses docentes da sala de aula e os coloca no comando de uma escola. Fora a quantidade de pacotes de macarrão que ainda restam na cantina, nada parece interessar a esses profissionais. A não ser, é claro, o número de reprovados. Já que evasão, para eles, é problema do governo e não da escola.

A preocupação com esse número de reprovados é um dos pilares dos mensalões pedagógicos, que levam as escolas a adotarem modelos abjetos de avaliação.

Comparem-se:

 

O trecho abaixo é das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, (capítulo II, artigo 24, inciso V, item a):

V – a verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:

a)      avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais(...).

 

O trecho seguinte é da Deliberação 007/99:

Art. 12 - O estabelecimento de ensino deverá proporcionar recuperação de estudos, preferencialmente concomitante ao período letivo, assegurando as condições pedagógicas definidas no Artigo 1.º desta Deliberação.

Parágrafo Único - Entende-se por período letivo a carga mínima anual de 800 horas distribuídas por um mínimo de 200 dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado às provas finais.

 

O trecho seguinte foi extraído do Regimento Interno de uma escola considerada modelo, de Curitiba (Modelo de quê?):

Parágrafo Único -  Seguem - se  os seguintes critérios:

    I. a avaliação deverá constar de:

a) provas escritas, no valor máximo de 6,0 (seis vírgula zero) pontos;

b) atividades avaliativas, no valor máximo de 4,0 (quatro vírgula zero) pontos.

 

Da mesma forma, o trecho seguinte:

Art. 98 A recuperação de estudos é direito dos alunos, independentemente do nível de apropriação dos conhecimentos básicos.

            Art. 99 A recuperação de estudos dar-se-á de forma permanente e concomitante ao processo ensino e aprendizagem.

 

O trecho seguinte foi extraído de um planejamento docente:

INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

 

  Etapa:

- Duas avaliações formais ( valor total: 6,0)

 

  Etapa:

- Atividades diversificadas;

- Produções de textos;

- Leitura de obra literária indicada.

( valor total: 4,0)

 

  Etapa:

- Recuperação das avaliações formais ( valor: 6,0)

 

   A recuperação é paralela ao planejado, permitindo assim a real recuperação do aluno.

 

Qualquer aluno de ensino fundamental que possua as habilidades de leitura adequadas à idade de fazer uma Prova Brasil compreende, em uma leitura superficial, que os documentos da escola estão em discrepância em relação às leis e à deliberação acima. As LDBEN deixam evidente que o valor das atividades processuais deve ter “preponderância” sobre o de “eventuais” provas finais. No regimento da escolinha amarelinha, que cabe na mão do aluninho, o valor dessas provas, que não são processuais, chega a 6,0. Ou seja, a escola inverteu a lei federal. Pode fazer isso? Quem conhece a Constituição Federal sabe que não.

Ainda em relação a isso, as leis e diretrizes deixam evidente que a prática de provas finais deve ser abandonada:

Em uma concepção tradicional, a avaliação da aprendizagem é vivenciada como o processo de toma-lá-dá-cá. Ou seja, o aluno precisa devolver ao professor o que dele recebeu e, de preferência, exatamente como recebeu.

No entanto, a Lei n. 9394/96, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), destaca a chamada avaliação formativa (capítulo II, artigo 24, inciso V, item a: “avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais”), vista como mais adequada ao dia-a-dia da sala de aula e como grande avanço em relação à avaliação tradicional, que se restringe tão somente ao somativo ou classificatório.

 

A condenação de procedimentos de “toma lá dá cá” ocupa inúmeras páginas das diretrizes de cada disciplina feitas pelo estado. O trecho acima foi extraído das diretrizes de Língua Portuguesa. E toda a produção científica sobre o assunto faz o mesmo, há pelo menos 70 anos.

Da mesma forma, aquele aluno que sabe ler percebe que o regimento da escola copiou, na íntegra, a deliberação estadual sobre recuperação. Mas que, no planejamento das professoras, o teor dessa deliberação e das LDBEN é claramente negado. Ambas as instruções falam em recuperação feita ao longo do período letivo, e que incide sobre a totalidade da nota. O que consta nos documentos da escola é uma recuperação valendo 6,0 pontos, referente àquele valor das provas, que já é, por si, proibido pela lei. A lei deixa claro que, na possibilidade de a escola realizar provas finais, esse período não conta como dia letivo, nem as recuperações dessas provas. Mas, em nenhum momento, a escola considera esses dias como não sendo letivos, o que torna problemático o cumprimento da carga horária anual.

Sem dúvida, é uma estratégia de favorecimento a toda a comunidade escolar. O processo de “toma lá dá cá” possibilita a prevalência da quantidade sobre a qualidade e da paráfrase como método de avaliação. (Aliás, a expressão “avaliação formal” é um sintoma evidente de que estamos lidando com analfabetos pedagógicos.)

Seria ingenuidade acreditar que essas leis sejam lidas ou conhecidas pelas pessoas que são pagas para impedirem que escolas descumpram leis federais ou estaduais. O que vai desde a pedagoga (que o governo paga para fazer enfeites de E.V.A., em todas as escolas, mesmo o Conselho Nacional de Educação estabelecendo como sua função a adequação da proposta pedagógica e das ações docentes, como se depreende aqui do trecho extraído do planejamento, ao que a lei determina), aos órgãos responsáveis por esse controle, como os Núcleos Regionais de Educação.

A insistência de todas as autoridades envolvidas, sejam gestores, pedagogos, coordenadores de núcleo, em dizer que eles fazem as suas próprias leis, é um sintoma claro de que há mais coisas envolvidas nessa distorção que apenas a ignorância de quem não consegue escrever um bilhete.

E, por falar em bilhete, segue abaixo o começo de um, feito por uma aluna de oitavo ano, considerada de nível excelente em sua escola. É o resultado de todo esse nosso sistema de favorecimentos. Esses profissionais todos são, em relação aos seus cargos, o que essa aluna é em relação às habilidades esperadas para sua série e idade. Tal como eles, ela também precisou da proteção de gente mal intencionada para chegar aonde está.


 

 

 

 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Meu texto na Folha de São Paulo. Coloquei anagramas com os nomes dos idiotas a que estou me referindo. Mas idiotas não percebem anagramas.

22/08/2012-15h46

Leitor defende reformulação curricular do ensino médio

LEITOR EDSON RIBEIRO DA SILVA
DE CURITIBA (PR)

Lendo a crítica feita pelo leitor Luiz Fabiano Alves Rosa a uma provável reformulação do ensino médio, percebe-se um certo desconhecimento dos objetivos e da realidade da atual educação brasileira.
Primeiramente, porque a divisão das disciplinas em grandes áreas do conhecimento já existe desde 1996, e o currículo oficial brasileiro (os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs) organiza-se a partir delas.
Editoria de arte/Folhapress
O que acontece é que o leitor escreve de Curitiba. O Estado do Paraná ignorou e proibiu o uso dos PCNs desde 2002, por interesse unicamente político: um governo que demonizou tudo que fora feito pelo governo FHC e um sindicato de professores de extrema esquerda, ambos interessados em mostrar que o ensino paranaense era humanista.
A inclusão das disciplinas humanistas em âmbito nacional também pretendia formar indivíduos aptos a entender a realidade e não apenas os textos que falam sobre ela. Isso deu origem ao modismo de se acrescentarem conteúdos ou disciplinas à grade curricular, como cultura afro-brasileira ou música. O que essas pessoas insistem em não perceber é que o ensino médio no país ocorre durante períodos diários de quatro horas. No período noturno, é raro que o aluno tenha todas as aulas diárias ou qualquer aula às sextas-feiras. Não há tempo para estudar tantas disciplinas, mesmo que a intenção seja formar cidadãos ou futuros trabalhadores.
Da mesma forma, é preciso considerar que as escolas curitibanas não seguem, grosso modo, nem a proposta curricular nacional nem a estadual, que têm por base princípios científicos. As escolas curitibanas elaboram suas propostas baseadas unicamente nas crenças pessoais de grupos pequenos, como gestores e docentes. Transformam filosofia em autoajuda e sociologia em catecismo, exatamente porque a cidade, por questões puramente políticas, também ignorou e demonizou as diretrizes curriculares que o governo estadual deu à educação a partir de 2002. Há propostas curriculares feitas na década de 80. Outras contêm dispositivos inconstitucionais. Para os pais de alunos, a escola particular, com sua visão mercadológica, deve ser o grande modelo para a escola pública. Manipulam os currículos, e o humanismo vai para o lixo.
É evidente que disciplinas humanistas são formadoras. Mas o ensino médio não tem tempo para todas elas. É preciso agrupar, sim. Ou se aumenta o tempo de permanência do aluno nas escolas. Mas de nada adianta isso sem propostas curriculares fundamentadas cientificamente.
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PARTICIPAÇÃO
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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A culpa é só das condições sociais do aluno?


Um aluno para o qual dava aulas em 2010 me dizia, alguns dias atrás, que está em férias há dois meses e que só voltará às aulas em setembro. Também me disse que, na sua escola, os alunos têm duas semanas sem aula a cada dois meses letivos.

Esse aluno conversava comigo pela internet. Dizia que eram quase onze horas da noite lá onde mora, mas ainda havia luz do dia.

Ele não mora no Brasil, mas em Paris. Trabalhei com ele no interior do estado, mas ele vinha de Curitiba. Tinha uma imensa vergonha de dizer que estudara em uma escola do Cajuru. A mãe já morava na França. No ano passado, ele foi morar lá. Estuda em uma sala de adaptação, entre alunos vindos da África e do leste asiático. Aprendeu o francês, e já vai estudar em uma turma regular.

Tudo normal: as pessoas estudam e aprendem. Mesmo as que fugiram da miséria, de guerras civis, de perseguições religiosas. Por isso, os alunos podem passar meses longe da escola. Ele tem dias de tempo integral, mas em outros passa apenas três horas estudando. Os alunos aprendem, mesmo os que chegam de países com péssima qualidade de ensino. Por isso, podem desperdiçar meses em férias de verão. Algo muito mais cultural que econômico, não resta dúvida.

Há pouco, eu lia uma coluna publicada pelo sindicato dos professores do Paraná, em que se culpa apenas o sistema capitalista pelo fracasso da educação brasileira. Todos estariam apenas em uma condição passiva, esperando a igualdade socialista para se planejar um ensino eficiente. A crítica era dirigida pelo sindicato ao Ideb. Criticar a sociedade capitalista como culpada pelo fracasso da educação brasileira é uma atitude típica, está no livro Escola e democracia, de Saviani. Ela evita que se busquem modelos efetivos de superação do fracasso, como esses alunos lá da escola francesa em que meu estimado aluno agora estuda. E faz com que as soluções pedagógicas, científicas, baseadas em métodos, não existam. Enquanto isso, os sistemas de avaliação, como o Ideb, dizem que as diferenças entre as escolas localizadas em áreas mais ricas ou mais pobres são só um detalhe, que é preciso olhar sim para as diferenças entre as escolas de áreas semelhantes. Se a média da escola de periferia em português é 120 e a da escola rica, 200, é natural. Uma não vai alcançar a outra. Outra forma de se dizer que o aluno de áreas pobres só poderá ter um ensino de qualidade um dia, no futuro, quando essas diferenças sociais estiverem superadas.

E ainda dizem que as avaliações oficiais só olham para a preparação para o mercado de trabalho! Haja paciência!

domingo, 12 de agosto de 2012

Pergunta

O que vai acontecer com as boas universidades públicas quando os alunos vindos da escola pública começarem a frequentar os primeiros anos dos cursos?
Pergunta feita agora pela jornalista Mônica Teixeira no TV Folha.
E a resposta dos debatedores é óbvia: elas vão se tornar o ensino médio que esses alunos não tiveram na escola pública.
O problema é que, hoje, são as universidades públicas boas que produzem conhecimento científico no país. Quando elas se tornarem ensino médio, o país vai voltar à pré-história do conhecimento. Ou seja, é o mesmo que acontece com as faculdades de educação. Na Faculdade Santa Cruz, a instrução era para que nunca se corrigisse nada do que o aluno produzisse no primeiro ano, senão ele abandonaria o curso. E a desculpa da instituição era: esses alunos vieram da rede pública, eles mal sabem escrever. Um dia, uma aluna ergueu a mã e disse que não poderia ler a crônica do jornal porque o professor não explicou quem era Barack Obama. Esses alunos hoje já devem ter pego suas aulinhas na rede pública, com contratos temporários que duram 30 anos.
E gera aquele nível de conhecimento técnico que se costuma ver nas instituiçôes de ensino e nos órgãos reguladores. (Esta semana, uma funcionária da Secretaria de Educação do Paraná me disse que a lei sobre avaliação diz apenas que o professor não pode usar um único instrumento. Ah! ah! ah!) Não conheço um único funcionário de escola pública, seja diretor, pedagogo ou professor, que saiba o que seja gramática.
A piada é que agora esse pessoal vai fazer suas graduações nas boas instituições, onde já não terão que comprar os diplomas em 36 vezes. Pobres instituições! Era para elas que se previa o fim do mundo em 2012.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Luc Ferry: a indisciplina pode vir dos pais


O filósofo francês Luc Ferry falava há pouco, no programa “Café Filosófico”, sobre a impossibilidade de uma educação bem sucedida diante dos problemas que a escola vem tendo com os excessos de uma juventude indisciplinada. Evidentemente, ele disse que seus alunos são modelares. Mas que os abusos de comportamento das novas gerações são um reflexo direto dos valores que os pais adotam.

Ferry falou desses pais que adotam um ideário conservador quanto à educação dos filhos, mas que, vivendo na sociedade capitalista, querem aqueles consumindo os bens que eles, às vezes, produzem para os filhos de outros.

Se a gente aplicar esse dualismo à educação brasileira, o que transparece é o interesse isolado, ou de grupos fechados, como diretores, professores, donos de colégios, que colocam o objetivo primordial da escola, que é a formação de competências através do conhecimento, como algo acidental. E fazem da escola uma grife, no caso de classes mais bem providas. Ou apenas um puxadinho da sua própria casa, no caso das classes populares. Lá, o aluno pode comer seu salgadinho com refrigerante e a escola vender tais coisas, mesmo sendo proibido por lei estadual há vários anos. Pode ficar de pé sobre uma carteira e dançar um funk com a calça abaixada até a metade das coxas, como no Colégio Nossa Senhora Aparecida, para ficar em um exemplo curitibano. Ou fumar abertamente nos corredores, deixando o professor esperando na sala até que a tchurma toda termine, como acontece no Colégio Santa Felicidade. Ou colocar notas de dinheiro sobre a carteira, insinuando terem posses suficientes para comprar favores de autoridades, como acontece na Escola Ângelo Trevisan. Tudo isso regado a hinos e tendo como fundo bandeiras e brasões. E muitas reuniões de pais, que querem apenas a nota no boletim.

Essas atitudes são vistas como naturais por esses pais que querem hinos e bandeiras, mas abominam o conhecimento científico. Se este impedir que se chegue à nota, é expulso da escola. Atitudes assim estão na cultura que gera a indisciplina dentro da casa e a leva para a escola, como se, de fato, esta fosse apenas um puxadinho da família. No caso das escolas ditas pobres, como o Colégio Nossa Senhora Aparecida, a atitude de indisciplina é vista como extensão das casas, e uma voz desencantada dita a regra: “Eles vêm aqui apenas para comer. Suas famílias são todas sem estrutura.” No caso das escolas mais abastadas, há a patricinha que viu na frente da loja a faixa “Roupas junina” e que vai confiar na concordância da loja, e não na da lógica, e é para essa clientela que a indústria desenvolveu o refrigerante com tequila. Talvez o dinheiro que o aluno põe sobre a carteira seja para comprar isso.

Luc Perry mora em um país onde leis funcionam, pais têm um contato maior com informações científicas. Mas, mesmo assim, ele vê a indisciplina como problema. Talvez ele não saiba que, no Brasil, a indisciplina esbarra com a transgressão às leis pelas escolas, pelos pais, pelos alunos, por diretores e professores. Transgressão que, aqui, é cultural e que é usada até por ex-ministros para justificar escândalos de corrupção. Imagine-se lá na cabeça do estudante!