Existe o fracasso da educação pública, e existem causas.

O fracasso da educação pública é algo assimilado pela opinião pública brasileira. É como falar sobre a corrupção na política. Admite-se, mas não se enxergam causas nem soluções. É mais um mal da sociedade brasileira que, grosso modo, nem adiantaria trazer para a discussão. Poderia ser mais um tema para humorísticos e discursos de palanque, mas o brasileiro não quer se envolver no problema. Rende reportagens na televisão, denúncias na imprensa, mas não é algo que tire o sono daquele que frequenta uma escola ou manda seu filho passar horas diárias em uma delas. Nada além de mais uma fraqueza do país.
Existe uma vasta bibliografia sobre o fracasso da escola pública. Mas que é feita para educadores preocupados com currículos e metodologias. Na verdade, é um diálogo que se efetiva apenas no meio acadêmico. E que acaba influenciando decisões políticas. Estatísticas, avaliações institucionais. No entanto, quem trabalha ou trabalhou na escola pública e, além disso, estudou nela, sabe que as causas de seu fracasso se evidenciam nas ações cotidianas ali praticadas. Há inúmeros culpados. Diretores, professores, alunos, pais, pedagogos, burocratas.
Existe uma máscara encobrindo as causas desse fracasso. E que encobre soluções que ultrapassem os âmbitos curricular e metodológico, com todos os recursos físicos que estes envolvem. A máscara cria falsos mitos para encobrir os verdadeiros culpados. Ela erige falsos mártires. Transforma em vítimas aqueles que são imediatamente culpados pelas ações que levam ao fracasso. E que insistem nessas ações.
Não há dúvida: as causas são muitas. Vão desde a aula mal dada à aula nunca dada. Entre uma e outra, a máscara é construída por todos que estão envolvidos no processo educacional. E atrás dela existe um mundo inacreditável, que a imprensa não denuncia, que o acadêmico não coloca em suas pesquisas, que a autoridade finge não perceber, e que existe porque inúmeras pessoas ganham com esse fracasso. E são ganhos de inúmeros tipos.
Por que não falar sobre isso? Mas falar do ponto de vista de alguém que presenciou cada uma das causas desse fracasso aqui apontadas. Desde a vida como aluno até o trabalho como professor e pesquisador. Alguém que estranhou a probição que recai sobre essa discussão. E que passou a ver a própria discussão oficial sobre o assunto como uma máscara. Dizer que a escola ganhou um computador ou que não o possui é só uma forma de não se dizer que o instrumento vai ser usado para burlar o processo pedagógico. Mas, quem o disser estará fora da dança de quadrilha que é o debate sobre educação, não formará um trenzinho nem girará no círculo daqueles que se envolvem no assunto.
É preciso ter a coragem de dizer: na educação pública acontece isso, acontece aquilo, e tudo isso gera o inevitável: o fracasso. Que nenhum dos programas oficiais voltados para a melhoria do ensino público vai conseguir vencer. Tal como a escola pública acontece hoje, ela só poderá acabar em falência completa.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Pedagogia de apostila: a indisciplina como inoperância pedagógica

            
Na noite de sábado, um canal de televisão exibe, seguidos, dois programas sobre educação, ou melhor, sobre como resolver problemas disciplinares do educando. O primeiro fala sobre a educação de crianças com problemas de comportamento; o segundo, sobre o treinamento de cães que, tirados da rua, irão morar com famílias. Parece estranho, mas nos dois casos o procedimento que educa é o mesmo.
O programa Supernanny, o americano, tem um formato sempre repetido: a psicóloga-educadora detecta os problemas de comportamento das crianças para, em seguida, propor atitudes de comportamento que, no final do programa, são checados depois de algumas semanas; o programa Academia de cães mostra cachorros tirados da rua, que passam por um adestramento que reverte os maus hábitos, passam por um tratamento de saúde e outro estético, e ganham uma família ávida para ter um animal. Em ambos os casos, os problemas são resolvidos. A super-babá recebe abraços de crianças agora cordiais e de pais gratos pela sua intervenção; o cachorro é recebido com cartazes dizendo que o amam, e os treinadores ouvem elogios como se, na verdade, tivessem dado às famílias um filho adotivo. Tanto a psicóloga como os adestradores sabem o que fazer para chegar aos objetivos.
Nos dois programas, a solução para os problemas de comportamento parte de uma psicologia simplificada: a teoria de Pavlov acerca das ações que se repetem, ou seja, de um condicionamento que resulta da recompensa obtida como consequência da ação. A psicóloga recorre, invariavelmente, ao castigo para os maus hábitos. Se a criança cria situações de agressividade, ela é colocada, quase sempre, por um tempo em seu quarto; se manipula os pais para obter aquilo que deseja, isso lhe é negado, e ela fica, por exemplo, privada de uma ação que a agrada. Se age do modo desejado pelos pais, recebe recompensas, que normalmente se referem a poder fazer algo que antes aqueles proibiam. A criança passa a poder se sujar nas brincadeiras, ou os pais assumem uma rotina mais interativa, participando das coisas que dão prazer ao filho. É comum que se elabore uma tabela com a rotina a ser estabelecida para a casa: os horários e as tarefas a serem cumpridas, que são colocadas em um cartaz bem visível. Uma espécie de regimento interno da casa. No programa sobre cães, o treinamento parte, evidentemente, do castigo e da recompensa, e o animal passa a comer a quantidade certa, a não agredir pessoas ou outros animais. Os castigos nunca são físicos, mas se referem sempre à perda de algo que proporciona prazer.
É a velha teoria das atitudes condicionadas, tantas vezes rechaçada pelas propostas pedagógicas. Na verdade, as únicas propostas corregedoras que presenciei nas escolas em quase vinte anos eram todas de caráter punitivo. Eram pavlovianas, sem o admitir. Mais que isso: todas elas se referiam a uma punição pontual, anotada em caderninho, assinada por um responsável, que visava muito mais à exposição do aluno diante da opinião da escola que a uma postura educadora. Ou são um meio de a escola se prevenir contra recursos na justiça ao final do ano. Evidentemente, posturas que se preocupem com a mudança de maus hábitos exigem uma constante vigilância e deveriam exigir projetos concretos, a serem efetivados com cronogramas. O que a escola sempre faz é dizer que educação não pode se reduzir a condicionamento. Porque, da única vez em que o pedagogo se aproximou da psicologia, durante a sua graduação ou na especialização, através de ligeiras apostilas que resumiam as teorias, ele apreendeu o chavão de que “educar é muito mais que condicionar atitudes, é despertar o senso crítico em relação às próprias ações”, algo que se refere também aos conteúdos, à metodologia e à avaliação. Chavões formam todo o conhecimento teórico das pedagogas com as quais trabalhei. Uma ou duas exceções, pedagogas sem medo dos livros. O medo da leitura de obras inteiras, em pedagogas, é algo somente comparável ao medo que o Scoobydoo sente pelos fantasmas ou o que os prefeitos paranaenses têm de construir escolas com bibliotecas. Medo maior, só o que os pais dos meus alunos da rede pública sentem diante da possibilidade do filho gastar seu tempo com leitura. Faz lembrar um pai de aluno do Colégio Olavo Bilac, de Faxinal, que quis me levar ao fórum porque eu pedira a leitura de uma obra literária.  E o filho foi estudar magistério. Mas, nas pedagogas, que não precisam de nota, esse medo é compensado pelos trechos pinçados, sobretudo, de apostilas e documentos oficiais. Citações, paráfrases, tudo de segunda mão, coado pela ideologia do estado. As pedagogas de apostila fazem o que Montaigne dizia dos professores: elas vomitam um conhecimento que não foi digerido. Apenas o pó que passou pela peneira oficial. Essa ignorância da teoria faz com que, em nenhuma escola, existam projetos direcionados a resolver os problemas de comportamento, e não apenas a punir transgressões. Seria necessário que a escola criasse a recompensa, e que essa fosse algo mais permanente que um evento isolado, como ida ao parque aquático ou ao cinema, pois essas ações acabam juntamente com a resposta do aluno. Na volta da excursão, ele já agride o colega e rasga o banco do ônibus. (Muitas vezes, ele é filho de pedagoga.) Se a escola pudesse estabelecer rotinas em que acontecessem tanto a punição como a recompensa, certamente haveria condicionamentos com resultados positivos. Estes não são, evidentemente, o objetivo do processo educacional, mas criam uma possibilidade de que aquele de fato ocorra.
No entanto, o desafio está em criar ações continuadas nas escolas. Fazer com que algumas pedagogas parem de pregar miçangas em chinelos ou a fazer biscuits para entregar nas festinhas escolares é algo tão impensável hoje como querer que elas peguem um livro nos seus finais de semana. (Já trabalhei com uma que levou o colégio a sofrer intervenção, pois combinava com professores modos escusos de garantir as notas dos alunos.) Elas nem sequer leram as propostas curriculares para poderem disciplinar o professor; o aluno que ouve um sermão e assina um caderno será sempre como os cães de rua da televisão americana. As suas pulgas nunca deixarão os demais alunos prestarem atenção às aulas.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Vandalismo: culpados

Ontem à noite, um jornal veiculado em rede estadual pela Rede Globo, no Paraná, apresentou cenas gravadas por uma câmera colocada no pátio de uma escola, em Toledo, nas quais alunos apareciam quebrando a própria câmera. As imagens da emissora mostravam a escola com vidros quebrados, louças partidas. Em seguida, o apresentador pedia que as pessoas votassem em uma enquete que perguntava se o aluno deveria ao não pagar pelo estrago que fizesse.
Em agosto, uma professora me relatou assustada que um aluno tinha acabado de matar um outro, nos portões de um colégio de Curitiba, atingindo-o com uma paulada por cima da cabeça dela, que tentava separar a briga. O fato foi camuflado. Em abril, aqui mesmo nesta cidade, um grupo de três alunos de sexta série, acima da idade para a série, ameaçou um outro de agressão. O aluno permaneceu no colégio e, na saída, foi agredido de forma a sofrer traumatismo craniano. Nenhuma punição aos três.
Na semana retrasada, recebi uma intimação da polícia para testemunhar no caso dos alunos que destruíram o banheiro de um colégio em Faxinal. O fato ocorreu em 2009, no Colégio Érico Veríssimo, durante a apresentação do festival de quadrilhas, que ocorria na quadra. As bombas tinham se tornado uma rotina naquelas semanas. Quase toda a escola poderia apontar os culpados. Mas era uma das muitas rotinas que o aluno via como normais, não acontecia somente ali. E, evidentemente, muitos alunos já tinham me falado nomes de suspeitos. Até que, numa quarta-feira, no horário de saída da última aula, vi esses alunos colocando a bomba que, segundos depois, explodiria no momento em que a imensa maioria dos alunos traspunha o portão. Não deu tempo de avisar. Eles levaram um susto, mas decerto viram o fato como uma das rotinas previsíveis de escola de pública. A bomba no banheiro aconteceu em um momento em que os mesmos puderam contar com tempo para preparar um grande acidente, que pudesse quebrar equipamentos, causar despesas.
Entre viaturas e ambulâncias, a rotina das escolas públicas se compõe de ações vistas como atos de incivilidade, falta de urbanismo ou expressões afins, que a sociedade usa para minimizar a ação do educando e colocar a culpa no educador. Parece, para a opinião pública, que o aluno é capaz de arrancar um vaso sanitário, torcer hélices de ventiladores, apenas porque os professores não cumprem a função de educar. Essa opinião pública acredita numa espécie de automatismo educacional: se uma única vez alguém fizer uma palestra sobre urbanidade, um psicólogo ou conselheiro tutelar for chamado para falar, o problema estará em vias de solução. E normalmente é isso que se propõe como medida nas reuniões pedagógicas. E acontece. O que ocorre é que, dentre os poucos que assistem a uma palestra, a maioria está ali para destratar o palestrante. Ou aproveitar o momento para deixar suas marcas na sala de palestras. Parece simples para a opinião de quem está lá fora acreditar no aluno de escola pública como se ele fosse um pré-escolar que tivesse medo de cara feia ou de uma chinelada. É evidente que muitos dos vândalos da escola pública cometem seus atos movidos por drogas. Por isso tanta gente que é apontada como culpada por atos de vandalismo também é ligada aos alunos apontados como usuários ou distribuidores de drogas. Mas a culpa não é, evidentemente, apenas das drogas. Em uma escola pequena, como o da cidade de Cruzmaltina, ou a do distrito de Dinizópolis, no interior do estado, lugares onde toda a espécie de população era atendida pelas escolas locais, era comum ocorrer a destruição de equipamentos escolares. O aluno que arrancava os ventiladores ou o botão da televisão não era drogado, mas pertencia a uma população que reunia tanto o aluno que jamais riscaria uma parede como aquele que estava ali unicamente para fazer isso, patrocinado por programas de incentivo. E quantas vezes o aluno envolvido em situações de violência ou depredação não é parente de professores, zeladores ou de conselheiros tutelares? No caso da explosão do banheiro em Faxinal, os acusados são filhos de funcionários de escolas públicas. Mas existe filho de conselheiro que espreme dedo de aluno mais pobre no vão da porta, porque sabe que um acordo financeiro irá livrá-lo até mesmo da advertência escolar.
Lembro que, em 2008, o Colégio Olavo Bilac, de Faxinal, estava com suas instalações em ordem. Recentemente construído, era uma exposição dos recursos que o governo passaria a usar em escolas mais novas. Mas, quem convivia com os alunos sabia que era um investimento problemático. A escola premiava o cuidado com as salas com incentivos, viagens, e muito discurso correcional por parte da então diretora. Mas, em uma escola onde a simples visita de alunos de um outro colégio para ver uma exposição resultava em intervenção da polícia, era natural que todo esforço no sentido de civilizar a clientela resultasse em fracasso. Quem fosse ao mesmo colégio em 2010 veria as portas com imensos buracos feitos por pontapés de alunos, que eram desferidos ali mesmo, durante as aulas. As tábuas ao redor das lousas arrancadas, carteiras com os tampos pela metade, e a quadra com a cerca de tela de arame e cimento jogada no chão, já com as traves quebradas. Patrimônio público, em uma escola que nem sequer possui o aluno de período noturno, que rotineiramente leva a culpa. Quando se dizia que aquele pátio, à noite, era um local de encontro de fumadores de maconha, parecia estranho que o governo houvesse investido na construção de casas para vigias dentro dos pátios das escolas públicas.
O fato é que, como sempre, a culpa recai sobre o fato de o aluno ser de escola pública, como algo que constituísse a sua essência. Parecem as mesmas desculpas colocadas nos relatórios policiais do começo do século XX, em que ser mulato, por exemplo, já explicava a motivação de crimes investigados. O aluno que é de escola pública não age assim na escola privada. Os poucos que transcendem esse muro imenso que separa a civilidade da barbárie passam a achar as ações bárbaras injustificáveis. E, às vezes, nem é preciso que a escola privada faça um imenso e longo trabalho educativo. Quem já ouviu alunos que migraram de uma rede para outra sabe disto. Basta haver regras que têm que ser cumpridas e esse aluno logo passa a ver aquele ventilador, comprado com uma parcela mínima da sua mensalidade, como algo que traz benefícios para ele. E passa também a achar que a finalidade da escola é sua formação, e não a formação de uma atitude civilizada, da qual os pais dariam conta. Estuda porque os pais pagam. O velho chavão do ir à escola para estudar. Isso lembra um episódio de uma série de televisão americana em que o adolescente sofre uma crise de consciência porque não tem talento nem gosto para o piano, mas os pais pagam o seu curso, e ele prefere desistir. Esse aluno, se estudasse no Brasil e fizesse esse curso às expensas do dinheiro público, destruiria esse piano e ainda reclamaria do governo a sua substituição, mesmo sem fazer as aulas. É a cara do aluno da escola pública de hoje. As exceções ficam por conta daqueles que estudam porque não podem fazer da rede particular um plano B, nem A, pois não há opção para eles.
Parece estranho uma enquete perguntar se o aluno que destrói a escola pública deve pagar pelo estrago. É a mentalidade que domina a opinião pública: os pais não sabem que seu filho está quebrando vidraças, a escola é que é culpada. O governo paga vigias que moram nas próprias escolas. Na verdade, a culpa é de todos os envolvidos no processo. Os pais não querem saber o que o filho faz na escola pública. Só se alguma ação resultar em prejuízo financeiro. Os alunos odeiam a escola, vêm nela a sujeira e as instalações que ele mesmo ajudou a tornar precárias. Não é capaz de gozar momentos de alegria pessoal ou grupal na realização de projetos, tarefas, então procura sentir essa alegria juvenil rindo da própria incivilidade. E o aluno, quando risca uma carteira ou uma parede, coloca ali o próprio nome, como um troféu a ser invejado. A escola tem culpa porque ela mesma trabalhou para que esse aluno ficasse assim. O pré-escolar que tem medo de cara feia, na rede pública, torna-se o sujeito que ameaça, que deixa marcas do fracasso de sua educação doméstica como uma forma de estendê-la ao fracasso da educação escolar. Escola que nem sequer possui uma legislação que previna essas ações. E que, mesmo acostumada com elas, nada faz no sentido de puni-las. E as autoridades, que acham que existe esse processo rápido de a escola ensinar e o aluno aprender, proíbe as ocorrências, as suspensões, as transferências, como se tudo fosse covardia de adultos contra menores. A punição dos adolescentes, agora já adultos, em Faxinal, seria resultado de uma atitude isolada da parte de um diretor. Mas há o diretor que sabe nomes de culpados, que vê o vandalismo acontecer, mas que nunca fará nada a não ser ignorar o problema. Quem ignora, por definição recebe o nome de ignorante.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Jornalista Arthur Guimarães desmascara mais uma escola pública de SP. Venda ilegal de apostilas.

Lembram do caso da escolinha estadual EE Octacílio de Carvalho Lopes? Aquela em que um professor xingou um aluno de bicha e mesmo assim foi promovido a professor-coordenador na escolinha EE Adelaide Ferraz de Oliveira? E que a Secretaria Estadual de Educação de SP avalizou um documento dizendo que é normal professor usar termos chulos para cativar seus alunos? Lembram da reportagem "É normal professor chamar aluno de ‘bicha’, diz secretaria" (Jornal da Tarde, 24/03/2005)?
Pois bem.
O corajoso jornalista Arthur Guimarães está de volta. Agora na Folha de São Paulo. E já começou desmascarando mais uma escolinha e suas professorinhas-santas-abnegadas: a Escola Estadual Buenos Aires (Santana, zona norte da capital) mantinha um ilegal esquema para a venda de apostilas para os alunos; venda de apostilas que deveriam ser distribuídas de graça para os alunos.

Vejam que o jornalista Arthur Guimarães não se contentou apenas em dizer que a escolinha vendia as apostilas. Ele teve a coragem de publicar o nome da diretora da escolinha EE Buenos Aires: Plantina Fernandes Melo.
Vejam a reportagem completa no Portal UOL: Alunos pagam por apostilas gratuitas em curso de idiomas na rede es... - 14/04/2011.
O jornalista Arthur Guimarães também denuncia a Escola Estadual Martim Afonso, no centro da cidade de São Vicente (litoral paulista), onde a ilegal prática da venda de apostilas também acontece.

Se existiessem mais 3 ou 4 jornalistas com a coragem do Arthur Guimarães, certamente não teríamos tantos abusos e práticas de ilegalidades por conta de funcionários, professores e diretores de escolinhas públicas que se acham acima de qualquer lei republicana.

Esta reportagem já esta indicada como uma das melhores reportagens sobre o nosso falido sistema educacional brasileiro.

Parabéns ao jornalista Arthur Guimarães e ao Grupo Folha por tê-lo contratado.

São Paulo, 14 de abril de 2011.
Mauro Alves da Silva
Coordenador do Movimento COEP - Comunidade de Olho na Escola Públicaa
http://movimentocoep.ning.com/

Cola é instituição nacional

Crônica
Por Bárbara Gancia

Se quiser me tachar de rabugenta, sinta-se à vontade. A verdade é que ninguém conseguirá me persuadir de que a corrupção, este câncer terminal que acomete o nosso encrencado país, não emane da primeira cola.
Como aquele primeiro sutiã, que a gente nunca esquece, a cola acaba se tornando um acessório natural para o jovem mutreteiro. "Faz parte", como diria aquele brutamontes que enganou e mentiu para vencer o show da realidade, mas todo mundo fez que não viu.
Na primeira vez que os futuros políticos, fiscais, jornalistas, juizes, empresários e comerciantes falsificam um resultado na escola, pode crer, a porteira se abre.
Quem cola passa a achar a coisa mais natural do mundo usar de truques e enganação para atingir o sucesso. A cola é tão natural, que acabou se tornando uma instituição nacional, tão enraizada em nosso dia-a-dia quanto a propina e a sonegação de impostos.
"Faz parte" chegar em casa depois de alguma prova e anunciar aos pais que só se conseguiu um bom resultado em razão de se ter colado. "É isso aí, filhão! Garoto esperto!" Também "faz parte" pais e mães aplaudirem a molecada pelo bom resultado escolar, tenha ele sido obtido na base da cola ou do suor da testa. Chegamos ao requinte de ver pais ajudando os filhos na compra de equipamentos eletrônicos, como fones de ouvido para telefone celular, que serão usados exclusivamente para perpetrar a cola.
A prática da cola é tão lícita entre nós tapuias, que um dos maiores jornais do País, O Estado de São Paulo, batizou seu caderno para jovens de "Cola". Que tipo de mensagem O Estadão está tentando dar? Que ser "ishpertinho" e manhoso merece aplauso?
Alo, Homer Simpson! Depois o pessoal ainda chia quando o Brasil é tratado como um país de trapaceiros, até pêlos autores de nosso desenho animado predileto. "Quem não cola não sai da escola". Parece brincadeira, mas estamos acostumados a conviver placidamente com o lamentável ditado, como se fosse mesmo verdade que só se dá bem na escola e na vida quem engana, mente e trapaceia. Será rabugice minha ou este tipo de fundamento escroque não causa a proliferação de tudo aquilo que se opõe à ética e ao talento?
Veja só: estudei a vida inteira na Escola Britânica de São Paulo e nunca colei ou vi alguém colar. A inglesada muito se orgulha do fairplay, o jogo limpo, que eles alegam ter inventado. A cultura deles não incentiva essa mania de vencer a qualquer custo. Nas escolas inglesas, o aluno passa de ano em função da avaliação global do trabalho realizado ao longo do ano, e não baseado na média de notas, como aqui.
Ou seja: lá, eles dispõe de tempo, dinheiro e gente treinada para dar atenção a cada aluno individualmente. Lá, você não é um número que tem a obrigação de produzir apenas boas notas. No fim das contas, é esse "pequeno" detalhe que separa o joio do trigo.


Barbara Gancia é colunista da Folha de S. Paulo
A cola e a corrupção

 Artigo
Por:  Fabrício A. Pessato Ferreira
         Em 2002, uma articulista da Folha de S. Paulo, Bárbara Gancia, escreveu uma brilhante matéria intitulada “Cola é Instituição Nacional”. Eu, que sempre fui odiosamente avesso à “cola”, não sabia o porquê do meu repúdio quase intuitivo a tal prática execrável. Mantive essa intolerância irrefletida, até que o artigo supracitado me trouxe luz à questão e fez com que me irritasse ainda mais quando surpreendo alguém colando.
         A criança que utiliza dessa prática impunemente aprende a utilizar meios ilícitos para ter êxito. Com o passar do tempo, desenvolve-se, quase que inconscientemente, a sensação de que o uso do ilícito é inevitável, inexorável à própria sociedade. E, pior, suscita-se o paradoxo de que fazer o errado é que é o correto. O honesto passa a ser ridicularizado. Passa a ser visto como “otário”, “tonto”, ingênuo para se dizer o mínimo.
         Chega-se à faculdade e a noção do “ilícito inevitável” toma proporções preocupantes. Agora, a desfaçatez da “cola” torna-se efetivamente regra, “baixar” trabalhos prontos da internet em plágio descarado e pagar para alguém fazer tornam-se ferramentas inequívocas, justificadas pela “falta de tempo, ‘fessor’” – ainda que sempre se ache tempo para cerveja e festa. A conseqüência imediata disso é o fenecimento do pensamento acadêmico, da pesquisa e da própria ciência nacional. Daí, não se surpreenda quando os japoneses e os norte-americanos patentearem produtos derivados da Amazônia e os espertos trouxas pagarem royalties pesados para ter um produto que a natureza nos deu de graça, só para citar um exemplo.
         Mas isso ainda não é o pior de tudo. Pior mesmo é que os “espertos” aprendem a “passar a perna” em outras circunstâncias, uma vez que já depreendeu que o ilícito funciona. Concluem que “puxar o saco” e “puxar o tapete” são instrumentos mais “eficientes” para a promoção pessoal do que o mérito pela competência e conhecimento adquirido. Assim, ao invés da desejável meritocracia, institui-se a canalhocracia. Prevalece a concorrência desleal e predatória. Cultua-se a mediocridade, quiçá a boçalidade, desde que os “resultados” sejam exitosos – não importa o meio. Triunfa o mau-caratismo em escala nacional. Só quem, como eu, já foi passado para trás por um desses “espertos” incompetentes e aduladores, já teve o tapete puxado sob os pés, sabe como é lastimável e abominável que se consolide essa tendência.
         Houve um tempo em que, exausto de tanto lutar contra, pensei: “deixa, que colem! O mercado depois seleciona!” Pior pensamento não pode haver. Porque, no mercado, a seleção é adversa sempre: a tendência é a de que os “picaretas” sejam os recompensados. Portanto, conclamo todos os Educadores para que não sejam tolerantes! Tolerância zero com a cola e o plágio! O professor complacente com a cola é conivente com a cultura ao ilícito que esfacela a sociedade, assim como o policial condescendente com o bandido que rouba e mata, ou o governante que prevarica, permitindo que funcionários desviem recursos dos cofres públicos. No fim das contas, a sociedade como um todo perde.
         Agentes Educadores: NÃO PERMITAIS QUE AS GERAÇÕES FUTURAS DESENVOLVAM A PERSPECTIVA DE QUE O ILÍCITO É INEVITÁVEL!