O trecho:
No que se refere às
práticas de regência, a padronização é menor. O que se constata aqui é que a
extensão dos projetos impede que eles sejam feitos de forma muito apressada. O
que não impede que existam planos de aulas idênticos de um aluno para outro, ou
que o mesmo plano seja aplicado em séries diferentes. O aluno executa um plano
de aula, e precisa especificar elementos como tema do projeto, justificativa,
objetivos, metodologia, cronograma, recursos, avaliação, parcerias, e
referências bibliográficas. O espaço para o preenchimento dos 4 primeiros
elementos é maior, passando de 10 linhas, mas, para os seguintes, pode cair
para menos de 4 linhas. A maior parte das páginas é dedicada ao preenchimento
das atividades, tal como ministradas pelo aluno: o conteúdo conforme foi
trabalhado, textos, atividades de fixação, avaliações, dentre outras. É comum
que o estagiário afixe recortes em materiais sintéticos (de forte impacto
visual), cópias xerocopiadas de textos, enquanto as atividades propostas para
os alunos aparecem obrigatoriamente já preenchidas.
Os principais elementos
observados quanto à regência são os seguintes:
a) O aluno não distingue com clareza os conceitos de objetivo e
metodologia, exigidos quando da elaboração dos projetos. Assim, é possível
perceber que o aluno se evade dessa dificuldade modificando a forma verbal que
utiliza para introduzir um tópico como objetivo. Os objetivos aparecem
introduzidos por verbos no infinitivo: “Reconhecer
o nome de cada estação do ano”, “Identificar
cores, números e letras”, o que, muitas vezes, remete à própria atividade
proposta (“Pinte as figuras abaixo e
ligue as estações do ano correspondentes”), em que o verbo introdutor
costuma aparecer no imperativo (“pinte”,
“preencha”, “ligue”). Em alguns casos, o objetivo é o enunciado da atividade,
com a mudança operada no verbo. Outras vezes, instaura-se uma relação em que ao
professor-estagiário caber uma função ativa (“Contar uma historinha sobre o Fundo do Mar”), enquanto ao aluno
cabe uma função passiva (“Ouvir história
e interpretá-las (sic)”).
b) O aluno vê na atividade
ou conteúdo o próprio objetivo da aula. Assim, aparecem como objetivos de
projetos tópicos como “realizar todas as
atividades deste projeto”, “cantar
músicas”. Essa redução dos
objetivos à atividade em si é uma constatação evidente de que o estagiário não
enxerga no conteúdo um meio, mas sim uma finalidade. Este valeria por si, não
pela competência que pudesse instaurar. Cantar músicas fica sendo a razão final
da aula, não as competências interativas, fônicas ou estéticas que a ação de
cantar possa desenvolver.
c) O aluno reduz o
conceito de metodologia apenas aos encaminhamentos metodológicos a serem
utilizados naquela aula. Em questionário individual, repostas como “A metodologia é a maneira utilizada pela
professora de transmitir o conteúdo. Já o encaminhamento metodológico é a
descrição das atividades propostas” evidenciam uma preocupação com o
preenchimento dos projetos, e menos com essa maneira a ser utilizada, pois,
mesmo os manuais pedindo a metodologia, todos os alunos enumeram apenas
recursos. Quando se pediu a cada aluno que descrevesse um procedimento
metodológico desenvolvido a partir da pedagogia histórico-crítica, o que se
constatou foi a estandardização de respostas a partir de chavões pedagógicos,
como “trazer para a realidade do aluno”,
“aprender a debater sobre questões
sociais”. Essa perspectiva, no entanto, não pôde ser contemplada nas
atividades afixadas pelos alunos aos seus manuais.
d) A prática do aluno não
se depreende da pedagogia histórico-crítica. Ao contrário, o que se percebe é
uma ausência de criticidade e de função social nas atividades propostas e em
seus encaminhamentos. Há o medo da deriva dos sentidos da palavra. Nas aulas de
língua portuguesa, detecta-se a desvinculação da linguagem de sua prática
social. Se tal aspecto pode ser atenuado no que se refere a turmas de Educação
Infantil, em que a tônica recai sobre a “alfabetização” e não tanto sobre o
“letramento”, para usar os conceitos de Tfouni (2006) e de Kleiman (1995),
autoras para quem o primeiro termo se refere à aquisição do código escrito,
enquanto o segundo se refere às práticas efetivas de utilização da linguagem, o
mesmo aspecto não pode ser desconsiderado quanto a séries mais avançadas, já do
Ensino Fundamental. É comum que o estagiário não disponha do conceito de
“gênero textual”, aqui assumido na perspectiva dos autores da Escola de Genebra
(Rojo, 2008). Por isso, ele fala sempre em “historinhas”,
mas nunca define o gênero textual a que as mesmas pertencem: são fábulas?
histórias em quadrinhos? piadas? Percebe-se que os textos de língua portuguesa,
seja para se chegar a questões de interpretação ou para se formular exercícios
de teor gramatical, são essencialmente narrativos. Mais que isso: narrativas de
gêneros incertos, pretextos para a prática escolar. Não pode ser culpa
unicamente do aluno se o livro didático que ele utiliza ainda vê a prática da
linguagem apenas como pretexto para aulas em que os gêneros se reduzem a
historinhas.
e) A presença de erros
conceituais, que permanecem sem nenhum tipo de correção, seja pelo docente da
turma em que o projeto foi executado, seja pelo professor de estágio
supervisionado. Assim, é frequente que aulas sobre sílaba tragam erros
conceituais, quando palavras são classificadas pelo número de sílabas, pois
nelas ditongos e tritongos aparecem como encontros que se separam. O mesmo
ocorre naquelas atividades de separação de sílabas ou de junção de sílabas que
aparecem separadas. Uma atividade sobre os usos de “mal” e “mau” classifica o
primeiro termo como advérbio, invariável, mas registra para a palavra o plural
“males”. Erros que demonstram a fragilidade do ensino básico recebido.
f) As avaliações recaem
sobre atividades em que o teor processual perde a ênfase. O aluno deve pintar,
completar, responder, mas há sempre uma possibilidade certa para sua atividade.
Ou o que poderia ser um processo, como pintar e ler, perde a relevância diante
da checagem quantitativa da apreensão dos conteúdos. Em partes desses manuais,
é comum expressões clicherizadas, como “avaliar
a participação”, “a avaliação é um
processo contínuo”, mas, na aplicação das atividades, o que se avalia é o
desempenho pontual.