Existe o fracasso da educação pública, e existem causas.

O fracasso da educação pública é algo assimilado pela opinião pública brasileira. É como falar sobre a corrupção na política. Admite-se, mas não se enxergam causas nem soluções. É mais um mal da sociedade brasileira que, grosso modo, nem adiantaria trazer para a discussão. Poderia ser mais um tema para humorísticos e discursos de palanque, mas o brasileiro não quer se envolver no problema. Rende reportagens na televisão, denúncias na imprensa, mas não é algo que tire o sono daquele que frequenta uma escola ou manda seu filho passar horas diárias em uma delas. Nada além de mais uma fraqueza do país.
Existe uma vasta bibliografia sobre o fracasso da escola pública. Mas que é feita para educadores preocupados com currículos e metodologias. Na verdade, é um diálogo que se efetiva apenas no meio acadêmico. E que acaba influenciando decisões políticas. Estatísticas, avaliações institucionais. No entanto, quem trabalha ou trabalhou na escola pública e, além disso, estudou nela, sabe que as causas de seu fracasso se evidenciam nas ações cotidianas ali praticadas. Há inúmeros culpados. Diretores, professores, alunos, pais, pedagogos, burocratas.
Existe uma máscara encobrindo as causas desse fracasso. E que encobre soluções que ultrapassem os âmbitos curricular e metodológico, com todos os recursos físicos que estes envolvem. A máscara cria falsos mitos para encobrir os verdadeiros culpados. Ela erige falsos mártires. Transforma em vítimas aqueles que são imediatamente culpados pelas ações que levam ao fracasso. E que insistem nessas ações.
Não há dúvida: as causas são muitas. Vão desde a aula mal dada à aula nunca dada. Entre uma e outra, a máscara é construída por todos que estão envolvidos no processo educacional. E atrás dela existe um mundo inacreditável, que a imprensa não denuncia, que o acadêmico não coloca em suas pesquisas, que a autoridade finge não perceber, e que existe porque inúmeras pessoas ganham com esse fracasso. E são ganhos de inúmeros tipos.
Por que não falar sobre isso? Mas falar do ponto de vista de alguém que presenciou cada uma das causas desse fracasso aqui apontadas. Desde a vida como aluno até o trabalho como professor e pesquisador. Alguém que estranhou a probição que recai sobre essa discussão. E que passou a ver a própria discussão oficial sobre o assunto como uma máscara. Dizer que a escola ganhou um computador ou que não o possui é só uma forma de não se dizer que o instrumento vai ser usado para burlar o processo pedagógico. Mas, quem o disser estará fora da dança de quadrilha que é o debate sobre educação, não formará um trenzinho nem girará no círculo daqueles que se envolvem no assunto.
É preciso ter a coragem de dizer: na educação pública acontece isso, acontece aquilo, e tudo isso gera o inevitável: o fracasso. Que nenhum dos programas oficiais voltados para a melhoria do ensino público vai conseguir vencer. Tal como a escola pública acontece hoje, ela só poderá acabar em falência completa.

sábado, 6 de outubro de 2012

Ameaças e intimidações. Como não esperar por elas?

Há pouco mais de quinze dias, no programa "Roda Viva", da Rede Cultura, o colunista e escritor Diogo Mainardi falava da quantidade de processos que ele recebera por escrever sobre as pessoas envolvidas no escândalo do mensalão. Foi o próprio ar de tranquilidade de Mainardi que me fez optar por começar a colocar, aqui nesta página, documentos acumulados ao longo dos anos.
O colunista falava que era muito difícil escrever sobre um desses mensaleiros e depois ter que escrever sobre Tintoretto. Ou ler Proust. Eu ainda não superei essa fase. O livro que preparo sobre o trágico em que a hybris é coletiva está parado. Creio que ainda vai ser preciso abandonar as preocupações com as mazelas do ensino público para me dedicar unicamente à arte e à ciência.
Bastou uma série de textos com cópias de documentos e fotos para que as pessoas começassem a me ameaçar de processos ou de agressão física. Uma situação mainardiana.
Os fatos relatados nesta página estão registrados em atas nas escolas em que ocorreram. Lá, eles estão acompanhados de nomes. Aqui, evitei a insinuação de nomes. E até mesmo índices que podem levar à identificação, como traços físicos. O interessante é que, se esses fatos relatados sem indicação de nomes incomodam a essa ou àquela pessoa, é porque ocorreram. Ninguém poderia ler uma história sobre um aluno que empilhou carteiras para machucar uma professora e querer processar o autor do relato, se ele não reconhecesse, ali, um fato que já foi motivo para atas, discussões, ocorrências. Evidentemente, indicações de cargos se referem a pessoas reconhecíveis, mas o que se relata sobre elas está registrado em documentos nas próprias escolas. Eu venho pedindo esses documentos através da secretaria de educação desde fevereiro. São atas de acesso público. E o meio de me negarem esses documentos é alegando sigilo, mesmo quando a lei de acesso à informação deixa claro que não.
Estranho, não é mesmo, leitor? Se um texto não informa nenhum nome, e se o fato não é verdadeiro, por que aparece um pai irritado para combinar com um diretor de processar o autor do texto por falar de seu filho? Como ele tem medo de que prováveis leitores reconheçam a pessoa envolvida no fato narrado?
Emitir opiniões é direito garantido. Uma declaração contra o sistema que nomeia professores temporários é direito, mesmo que esses professores se ofendam. Uma declaração contra a atribuição de notas feita de forma a descondiderar os planejamentos dos professores é direito. Quem cria essas coisas sabe que está sujeito à opinião.
Por exemplo, há um texto sobre o fato de professores não rspeitarem o artigo 24 das LDBEN. Está ali uma cópia de livro de registros em que isso se comprova. Há um comentário sobre alunos depredarem o prédio da escola. Está lá uma foto da escola depredada.
O problema é que existem inúmeras formas de ações permanecerem impunes. Mas a opinião pública deve ter acesso a essas informações. Se o aluno que tentou ferir a professora saiu impune da situação, existe como puni-lo, usando os meios de comunicação. No Brasil, é uma das formas de se garantir que alguma coisa seja feita em termos de justiça. A imprensa sempre foi um quarto poder. Hoje a imprensa também pode ser um blog como o da jornalista cubana que a ditadura prendeu esta semana. Ou um livro relatando fatos.
A história deu razão a Diogo Mainardi, mesmo ele escrevendo no auge da popularidade do governo envolvido em escândalo.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Colégio Olavo Bilac: "Ora (direis) dar notas aos alunos por nada!"


Por que não é possível falar-se em uma escola resiliente que tenha construído aquelas competências essenciais que a sociedade espera do ensino básico?

A escola que conseguiu afastar alunos de periferia, pobres, do universo das drogas, da prostituição, do trabalho infantil, entre outros problemas, investiu em projetos, normalmente trabalhados fora do turno escolar. E que resultam em competências voltadas unicamente para o próprio projeto, mas nunca para a vida posterior à educação básica. O aluno sabe dançar o fandango, mas escreve “fandango” com J. Há alguns projetos voltados para o esporte que se preocupam com competências formadoras. Muitos até investem em uma formação musical. Mas a imensa maioria é apenas confete que a escola usa, principalmente, para inserir professores novos no comércio das aulas temporárias. O projeto já é feito pensando-se na disponibilidade daquela professora que está em décimo na ordem de escolha de aulas (às vezes com ela própria sentada à mesa do diretor), mas que vai ser a única da disciplina a saber do leilão de aulas. Como sempre, a escola vai colocar um edital na parede informando aos interessados sobre as aulas disponíveis. É uma medida para que os nove primeiros da lista não recorram. Na hora do leilão, apenas o décimo colocado estará lá, e constará na ata que nenhum outro compareceu, mesmo o leilão tendo sido divulgado em edital.

Quando o governo do Paraná criou o projeto Viva Escola, os colégios se encheram desses projetos. Lembro um deles, feito no Colégio Padre Gualter Farias Negrão, a que apenas quatro alunos compareciam até o meio do ano; depois, apenas dois. Era um projeto voltado para o esporte coletivo, sobretudo o futebol de salão. Foi um imenso sucesso!

Existem projetos de efetivo sucesso. Certa vez, em 2009, um homem fardado entrou em uma sala de sexta série, de forma quase truculenta, para surpreender um menino que participava de um projeto promovido pela prefeitura. Perguntou sobre sua disciplina, seu rendimento. Fez o aluno agir, por minutos, como um soldado, usando termos como “senhor”, e depois, já fora da sala, me explicou que precisava parecer truculento e até se desculpou. O aluno teve bom desempenho durante o ano, fez da sua presença no projeto um motivo de orgulho. Mas tinha todo um histórico de reprovações e atos de indisciplina. Aquela turma foi a melhor que conheci na cidade de Faxinal, pelos casos de mudança de atitude.

Existem notórios exemplos negativos. Como as fanfarras que significam que o aluno vai permanecer fora da sala de aula durante os ensaios, e vai receber em nota essas ausências. Fora os pontos que a escola lhe dará pelo desfile em setembro. Por exemplo, o que vivi no Colégio Olavo Bilac, de Faxinal, em 2008. Os alunos pertenciam à fanfarra com a intenção declarada de não assistir às aulas. Ganhavam 2,0 pontos por ensaiarem; mais 2,0 pontos pelo desfile do dia sete. Esses 4,0 pontos eram uma estratégia para que alunos atingissem notas muito altas no último trimestre. E, evidentemente, em novembro a escola inventava uma semana cultural valendo mais 2,0 pontos em todas as matérias. 6,0 pontos, a média do bimestre. Essas estratégias são vistas como um lance de criatividade pelo núcleo de educação. Evidentemente, a escola tinha um índice alto de aprovação. Mas era considerada a mais precária da cidade em aproveitamento.

Já que falamos sobre isto, estendamos este assunto.

Em 2010, acabei pegando umas aulas em tal colégio, para completar minha carga horária, mesmo meu padrão daquela disciplina sendo em outra cidade e sendo o mais antigo de lá. Na reunião pedagógica de início de ano, falava-se acerca do número de alunos com notas muito baixas no ano anterior, o que tinha motivado aborrecimentos. E também sobre os malabarismos que tinham sido feitos para que não se reprovasse muita gente. A professora de artes propôs uma fórmula, que era quase a inversão da que expus no parágrafo anterior. Todos os alunos começariam o ano já com 4,0 pontos, o que garantiria que eles terminassem o primeiro trimestre sem notas baixas. Claro, a fórmula representaria uma ampulheta letiva, já que no terceiro trimestre esses pontos poderiam ser obtidos de outras formas, também sem relação com as disciplinas. O professor poderia passar os primeiros meses letivos discutindo tranquilamente sobre quem venceria o Big Brother, sem que o desinteresse do aluno pudesse tirar seu sono. Nessas horas, a gente precisa ser enfático (e antipático): se a proposta fosse aprovada, eu não a aplicaria, e procuraria ajuda. Imagine quanta ingenuidade minha! Ajuda!

Eu estava escaldado do que vivera no mesmo colégio em 2008. Fora a mesma situação: pegar duas turmas de português porque minhas aulas de inglês, do padrão, tinham sido dadas a uma professora de outra disciplina, na cidade vizinha. Eu era único professor do município com padrão em inglês. Mas não o fixava em nenhum colégio porque amava trabalhar em uma escola pequena, com apenas quatro turmas. Por isso, os professores que fixaram seus padrões, mesmo de outras disciplinas, pegavam minhas aulas de inglês para completar suas aulas. O que me deixava fora de uma escola onde trabalhara por doze anos e que considerava um segundo lar. Portanto, eu peguei português em Faxinal para completar o meu padrão de inglês. O Colégio Olavo Bilac tinha uma péssima reputação e eu nunca tinha estado nele. Região de periferia. Mas o governo tinha construído um colégio novo, com quase toda a estrutura das escolas mais recentes. Limpo, sem carteiras quebradas, sem palavrões nas paredes. E a diretora promovera toda uma política de premiar as turmas que cuidassem melhor das suas salas.

Em outras escolas, diziam que eu poderia ser morto pelos alunos de lá. Havia uma sétima série considerada péssima. E eles faziam justiça a essa reputação. Foi preciso começar das habilidades mais básicas, como os sons das letras. Eles eram indisciplinados. Uma aluna foi expulsa duas semanas depois, e era a que eu considerava a melhor. Ao longo do ano, apareceram marginais, um rapaz vindo de Curitiba, que os professores me alertaram sobre o fato de o pai ser procurado pela polícia. A faca que o aluno mostrava não me dava medo dele. Ele se mudou. Então, há poucos dias de encerrar o trimestre, a turma permanecia com notas irrisórias. Eles se recusaram a ler o conto que eu levara. Como se recusaram a reescrever suas produções de texto. A mesma história de sempre: nunca tinham lido textos fora do livro didático, ninguém devolvera textos para eles refazerem. E esperavam um milagre, na forma de presente. O velho truque da prova com decoreba. Mas o milagre veio na forma de proposta séria. Em uma quarta aula, às vésperas de entregar as notas, a turma percebeu que eu não iria transigir com a recusa em seguir as práticas da disciplina. Eu lhes propus um plano para, ainda, fazerem o que estavam se recusando. Cheguei a propor ir ao colégio no contraturno para atendê-los. E eles quiseram. Fui à minha casa, às pressas, e trouxe uma sacola com tudo que eles tinham abandonado. A turma se ergueu, mostrou que era possível obter nota através de práticas da disciplina, sem desviar para milagres, apenas a responsabilidade de seguir as instruções do professor e chegar a um resultado: habilidade. Os problemas foram se minimizando. Passei a amá-la. No último dia de aula, em dezembro, colhi as plantas que cresciam debaixo da janela daquela turma e plantei em meu quintal.

Mas havia uma oitava série. Com fama de ótima, de inteligente, disciplinada, a melhor do colégio. Havia cabeças poderosas. Poucas. Mas existia o mesmo problema da turma ao lado, agravado por uma reputação que não representava o seu nível. Nunca tinham lido obra literária. Nunca tinham feito um texto para ser corrigido, refeito, lido pelos colegas. Nunca tinham lido nem produzido textos orais. Ler e escrever era algo tão próximo daqueles alunos como a corrida de fórmula um no Japão, domingo. E eles tinham tantas habilidades de escrita e leitura quanto possuíam para pilotar um dos carros que correrão no Japão. Não foi possível, ao longo do ano, fazer com que lessem nenhum texto. Montei para eles um apanhado de contos de autores modernos, para serem lidos semanalmente. Não leram simplesmente porque não queriam. O pai de um desses alunos quis me processar por exigir leitura. Em relação à escrita, quando comecei a trabalhar os primeiros textos, havia algum desempenho. Queria formar habilidades de pontuação, ortografia, concordância básica, e a própria noção de texto. Fizeram contos, biografias, relatórios. Os melhores, com muito interesse. Mas chegou o momento em que isso não bastava: uma oitava série precisa produzir textos de opinião, artigos. Diante da primeira atividade, a reação de algumas alunas foi taxativa: “A gente aqui só sabe falar de sexo, professor.” Não era brincadeira: a aluna trazia a expressão “sou biscate” ao lado do nome em sua página na internet. Engravidou. Juntamente com outras colegas. A turma inteira passou a boicotar as aulas de produção de texto. Uma aluna deixou de assistir às aulas da disciplina para não ter que ler e escrever. A partir de setembro, ela só teve faltas. Hoje, é aluna do curso de magistério. Em relação aos demais, a sala ficava vazia em todas as segundas-feiras, nas duas primeiras aulas, porque quis dedicá-las à produção oral. Como sempre, eles achavam uma coisa de outro planeta ter que fazer uma apresentação oral. E quando lhes mostrei o currículo oficial do estado, e questionei o fato de a turma não ter nunca lido nem produzido textos, e chegado à oitava série assim, o fato gerou um escândalo movido pela turma. Professores nunca mais falaram comigo. Pais vieram à escola saber por que eu estava querendo que seus filhos escrevessem. E eu trabalhei durante três meses com apenas seis alunos na sala. Como sempre, não havia nenhuma autoridade no colégio que fizesse os alunos seguirem a proposta curricular, com aquilo que, em qualquer proposta, é o conteúdo de português. A diretora estava em licença para concorrer à câmara de vereadores. Disseram a essa turma que a lua é planeta, e eu teria forçosamente que concordar. Não concordei. O sucesso da turma ao lado era uma prova de que os da oitava queriam apenas manipular os professores. Os alunos partiram para o curso de magistério, em número muito grande. Nunca tinham lido um livro inteiro, um conto inteiro, ou feito textos orais individuais, como seminários. Fizeram alguns textos orais, quando eram coletivos. Quando precisaram produzir individualmente, fizeram birra, e boicotaram as aulas. Hoje, estão quase com diplomas de professores nas mãos. Terão que falar, terão que ler. Será que o farão?

A salvação desses alunos era, via de regra, os pontos obtidos em atividades fora das aulas: desfile, fanfarra, torneios, danças. E uma semana cultural quase sem atrativos. As outras escolas mandaram seus alunos para ver o trabalho dos alunos do Colégio Olavo Bilac. O resultado foi uma imensa briga, na qual a polícia precisou intervir, e acabou com ônibus apedrejados e pessoas agredidas. Mas a nota estava lá. Esses alunos dependiam dela para poderem boicotar aulas de leitura e produção de texto.

Em 2010, já não havia a estrutura de escola nova. As portas continham buracos, feitos pelos chutes dos alunos. E esses chutes eram dados por alunos que entravam atrasados nas aulas. Ilustrei este texto com a foto de uma dessas portas. As lousas continham partes arrancadas. Garantia de que o professor não passaria muito conteúdo. Na quadra, as tabelas para jogo de basquete já tinham sido quebradas, da mesma forma a cerca de tela que impedia a bola de sair para o pátio. Pilares postos no chão, a chutes e pontapés. No terreno ao lado da quadra, evidências do uso de maconha. Falavam que ali era um ponto de uso, à noite. Mas existe uma casa no pátio, onde mora um guarda. Segurança.

E a escola precisava urgente desses 4,0 pontos para todos os alunos. As aulas deveriam acabar perto de meio-dia. Mas, quase onze-e-meia, os alunos se recusavam a permanecer nas salas, porque queriam pegar a circular desse horário, mesmo ela passando a cada dez minutos. Quando proibi essa prática na minha aula, um aluno saiu e riscou meu carro. No mais, era a mais absoluta recusa em fazer as atividades. Qualquer uma, até mesmo copiar da lousa. Só o faziam, se o professor desse meio ponto para cada tópico copiado. Não aceitei. A imensa maioria permaneceu sem sequer retirar cadernos das bolsas, falando palavrões. Não havia conteúdo que eles conhecessem, nem que quisessem conhecer. Nem vídeo, nem teatro. Queriam ganhar nota. Queriam sair antes da hora. Aliás, a pior aluna de uma turma tinha como nome o verbo querer. Os pais vinham exigir que eu desse nota pela cópia da matéria da lousa. Cheguei a levar os cadernos ao núcleo de educação, pedindo que alguém esclarecesse os alunos daquele colégio sobre currículo, conteúdo, disciplina, horário. Não aconteceu, e eu consegui mudar para outro colégio. Uma quinta série em Cruzmaltina, que conseguiu redigir textos médios em inglês com poucos meses de aula. Gente simples, da zona rural. Iluminados por uma boa educação familiar.

Os alunos daquela sétima antiga eu retomei, agora como ensino médio. Outra vez, no dia em que precisavam ler uma obra literária, a sala estava vazia. Foi preciso pedir intervenção do núcleo para explicar a eles que leitura era parte do ensino de português. Alguns chegaram a bons resultados. Entrariam facilmente em uma faculdade, passariam em concurso. Quiseram ser alunos e não precisar de pontos artificiais. Hoje, integram um projeto de sucesso do colégio, mesmo não precisando dele.

Os demais, esses patinam nas propostas antipedagógicas para obtenção de notas. Tais propostas são para eles um meio de sobrevivência no espaço escolar. Mesmo que isso represente depois a morte na sociedade, que quer competências relacionadas ao ensino básico, e não a projetos feitos com intenção duvidosa. Muito menos a inabilidade do aluno que conseguiu que a professora trabalhasse tal como eles planejam durante suas conversas na lanchonete. Ou sabem que, se todos cruzarem os braços, a escola vai lhes presentear com pontos, muitos, quantos forem precisos.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Matar aula, matar aluno: não é problema nosso!




"Oi professor estava lendo teu blog agora e realmente tudo verdade la em Cruzmaltina os alunos faziam churrasco a noite no colégio nas aulas vagas....
E aqui em Curitiba vi brigas feias dentro do colégio meninos e meninas fumando maconha nas aulas de educação física e nos intervalos na quadra de esporte o que era estranho q o colégio tem varias câmeras espalhadas nos corredores nas escadarias no patio e também na quadra e uma pessoa q ficava o dia todo só monitorando... e como assim a pessoa não via as brigas nem as drogas que circulavam dentro do colégio..."

 

Recebi a mensagem acima de uma antiga aluna. Ela apenas concorda com os fatos que enumero em meus textos. Pouco antes de ela me mandar a mensagem, de forma pessoal, um outro antigo aluno relatou em rede social a seguinte situação:

1.       

João zinho


Uffa...
Aula vaga hoje, voltar pra casa mais cedo.

Parte superior do formulário




Parte inferior do formulário

 

Poderia parecer estranho: a postagem foi feita em uma segunda-feira, durante uma noite em que não chovia, não havia jogo na televisão, nem comício na cidade, não havia torneio no ginásio de esportes, nem feira na rua, nenhum velório de parente de aluno. Nada daqueles muitos eventos que motivam a dispensa de alunos, principalmente no colégio em que esse aluno estuda (rsrsrsrsrsrs...). Falta de professor, talvez. Mas sempre foi assim. Hoje deve até ter melhorado, pois o aluno manifestou algum estranhamento. Lembro quando trabalhei lá à noite e colegas professores brincavam, quando entravam na sala destinada a eles antes do início das aulas, esfregando as mãos com ironia: “O que vai ter hoje para a gente ir embora?” Bastava a vontade da pessoa que sentava na cadeira da direção.

A aluna da mensagem demonstra surpresa por ver alunos se drogando durante as aulas de educação física. Não deveria. Essa disciplina permite que o professor fumante não se importe com leis estaduais ou federais, afinal, ele se vê em espaço aberto, e coloca o aluno na mesma condição. Do tabaco que os alunos usavam no Colégio Santa Felicidade à maconha que o inspetor de outro colégio do mesmo bairro me disse que os alunos acendiam com o isqueiro que ele emprestava, há uma distância pequena. Mas passa pela cegueira dos funcionários do núcleo e de seus setores. Passa pelo “deixa pra lá, é problema social” das escolas.

Em Cruzmaltina, cidadezinha com seu único colégio, durante anos houve um fumódromo que era usado por alunos (principalmente garotas) de doze ou treze anos, atrás da sala da sétima série do período noturno. Mesmo que as pessoas se deslocassem da ouvidoria do núcleo para lá e pudessem encher sacolas com as provas de que essa ação ocorria, elas sempre sairiam de lá dizendo que era só boato. Era o aluno com sérios problemas respiratórios que tinha que permanecer no pátio até a fumaça se dispersar dentro da sala.

A aluna cita a presença de câmeras e inspetores. De fato, não adianta colocar funcionários para vigiar. O resultado pode ser a atitude do inspetor citado mais acima. Que eu, numa noite em que fui entregar um documento na escola, encontrei sentado ao portão, com uma garrafa de cerveja ao lado, embriagado; mas era a única pessoa na escola para me atender, mesmo sendo oito da noite. E a garota cita fatos ocorridos durante o dia, horário em que supostamente estudam os mais novos, dependentes ainda dos pais.

A presença de drogas no espaço escolar não deve estar sujeita apenas à cegueira das pessoas pagas para monitorá-lo. A aluna, por exemplo, estudava em um colégio do setor Bairro Novo, em Curitiba. Região em que trabalhei e onde ouvi falar de crimes no pátio. Fui vítima de ameaças por rapazotes com histórico de indisciplina; fui vítima de assédio moral por garotas com uma séria predisposição à dissipação moral, já que, nas palavras da diretora, a maioria ia à escola apenas porque os pais não queriam tais filhos em casa.

A mesma aluna postou na internet há poucas horas o seguinte comentário:

 
Galera to tremendo aki faz um 20 minuto q mataram um cara aki na frente!!! tem um monte de gente e um monte de policia a frente da minha casa ta isolada e uma boa parte da rua, pelo que conheço ainda vai demora umas 2 horas ai na porque ate o ML chegar vixi vixi

E, mais tarde:

 

Vi cenas horrivel hoje aki debaixo dos meus olhos, coisas que mexeram comigo e me deu medo...
E a tristeza de uma familia que perde alguem especial independente dos erros desse jovem quem esta sofrendo e a familia os gritos da irmã dele ainda estão gravados e ela ainda grita...
Isso me deu muita tristeza e não sei se consiguirei dormir mais agora vou deitar e rezar por mim pela minha familia e por essa familia que esta sofrendo tanto...
Boa noite face.... E que amanha seja um dia melhor!!! fui-me para cama grudar na minha mamis linda

 

Vejo nesse comentário a resultante do que ela me escreveu, de forma particular. A escola forma pessoas com essas disposições. Se elas não as possuem, é um risco muito sério o de desenvolvê-las, como acontece com alunos do Colégio Nossa Senhora Aparecida, no setor Bairro Novo. Quando eles revelam a vergonha de escreverem os nomes dos pais, em biografias e entrevistas, percebe-se que a escola tem um papel muito definidor em suas formações. O que ela lhes mostrar como aceitável em uma instituição que Althusser considera inventada apenas para o controle do estado sobre as pessoas, passa a ser normal, assimilável.

A garota saiu de Cruzmaltina já ao final do ensino médio. A sua ingenuidade em se chocar com os churrascos que os alunos faziam enquanto matavam aulas ou elas não eram dadas, lá no interior, parece uma situação de imensa docilidade diante de seu horror com o uso de drogas na escola curitibana. E, agora, com o assassinato diante da sua porta. Ela relata que o assassinado era jovem e que deve ter cometido erros. O que seria? Morava com a família, talvez voltasse do colégio.

Existe uma cadeia que liga essas ações. Aquele aluno de período noturno, que se forma e não sabe redigir uma carta formal, vai para a cidade grande e vira a mão de obra barata que mora em regiões como a do Bairro Novo. Há ainda os não-formados, e pessoas que vão à escola apenas para comer. Ou porque a escola é o local onde a rapaziada vai poder usar seus bagulhos sem o risco de um policial que a vigie. Vigie e puna, tal como em Foucault. Esse policial, como os super-homens da Patrulha Escolar, vai garantir o sossego desse aluno. Colocadas diante do vício, a situação dessas pessoas muda. Alunos que no interior matavam aula para jogar sinuca; na cidade, eles conhecem o coleguinha que aos doze anos já ameaçava os professores, e que agora é um cara descolado. Aqueles deixam de ser cordeiros e viram super-homens desligados de toda preocupação moral. Podem matar na saída da aula. Matar a aula é para os fracos, como agora pensam. Podem matar para tomar a droga que o coleguinha mostrou que estava na bolsa, ainda durante a aula. Podem agir em um momento de grande excitação. Mas podem também querer apenas não precisar da escola para comer. Como me diziam a diretora e o chefe de setor lá no Bairro Novo, “a escola não tem nada a ver com esses problemas da sociedade.”

A garota fala de câmeras. Tão inúteis, como foram tantas das aquisições tecnológicas que as escolas receberam. Fala dos inspetores, tão eficientes nas suas funções como são as responsáveis pela adequação das práticas docentes às propostas curriculares oficiais. Se hoje essa garota denunciasse a uma ouvidoria o consumo de drogas na aula de educação física, e a escola dispusesse já dessas aulas gravadas, o argumento das pessoas das áreas jurídicas seria que as imagens fossem apenas montagens mal intencionadas. Ou diriam que a verdade do que estivesse nessas imagens é um veredicto a cargo delas, e não dos cinco sentidos.
Será que, como espera a garota, amanhã pode ser um dia melhor?

A indústria do professor temporário: ele passa décadas encarregado de manter o ensino improdutivo. É sua razão de viver


A cópia abaixo reproduz umas páginas do livro de chamada de uma professora que está há mais de dez anos trabalhando na mesma escola e nas mesmas séries como PSS, ou seja, com contrato temporário.

Temporário. Breve. Pobres professores que não conseguem responder às questões da sua disciplina que caem em concurso público. Eles não podem sequer assumir dívidas, comprar aqueles carros novos que desfilam pelos estacionamentos das escolas, porque podem perder suas aulas a qualquer momento, seus filhos sugarão tetas murchas. Bem mais murchas que a que esses professores sugam do estado.

Os meus professores com contrato temporário lá na década de 80 trabalham comigo, trinta anos depois, com contrato temporário. Os seus alunos fazem os mesmos exercícios e os professores trazem para a sala os mesmos textos daquela época. São os seus únicos conhecidos. Já eram há trinta anos. Há o truque que eu vi há dois anos na lousa em uma sala de sexta série. “Escreva se as frases são conotativas ou denotativas.” Para ser boazinha, a professora colocou um C ou um D sob cada frase; seria uma forma de se dar uma pista e garantir que, no final do trimestre, ela pudesse ser considerada um modelo de eficiência.

A professora do livro de chamada copiado abaixo é um modelo de eficiência assim. Fábula, fábula, fábula, seja para a quinta série, seja para a oitava. Então ela pergunta o que representam a tartaruga e a lebre. O que é fábula. E tudo acaba bem quanto termina bem, como na comédia de Shakespeare. São carreiras inteiras como professores temporários. Antigamente, uns aninhos de atividade e o professor era efetivado. Virava “fundão” e impedia que todos os formados em uma época mais esclarecida conseguissem aulas. Evidentemente, havia uma indústria de proteções a colegas e parentes. E, como estamos em um país suspeito, é possível que houvesse trocas em dinheiro.

Na primeira vez em que assumi aulas de substituição, e foi a única, pois eu já era aprovado em concurso antes de trabalhar, a pessoa que distribuiu as aulas favoreceu uma pessoa que ainda hoje é professora temporária, quase vinte anos depois. Ela fez com que eu pegasse aulas de substituição, por um mês, quando havia aulas definitivas para serem distribuídas dali a uma semana. Existia um concurso anterior para quem quisesse pegar aulas como substituto, e eu fora o primeiro colocado, ficando na frente de quem trabalhava havia séculos. Muitos nem eram formados nas disciplinas em que atuavam. A atitude de quem distribuía aulas, pensando em beneficiar a colega, foi mentir a respeito das regras. Eu peguei aulas como substituto e, nessa condição, não poderia pegar aulas em definitivo. Quando aconteceu o leilão de aulas definitivas, uma semana depois, eu era, de fato, o primeiro da lista. Mas não pude pegar aulas porque elas foram dadas a uma colega da documentadora.
Veja-se a cópia:
 

 

A professora que fez o documento copiado está numa condição assim. Seu livro de chamada é uma amostra exata daquilo tudo que o ensino de língua portuguesa condena, desde a graduação, até os níveis mais elevados. Basta entrar em uma papelaria e pegar um livro didático, folhear, e o que se verá é o extremo oposto da ação dessa professora. Ou entrar em uma livraria e ler a produção científica a respeito do ensino de línguas, muito além do interesse comercial e parcial dos materiais didáticos. O que está lá também está nos currículos oficiais do país e do estado, feitos por pessoas que não reprovariam em um concurso docente, tal como eles são feitos. O que se tem procurado há décadas é levar a ciência para dentro da sala de aula, e subjugar os chavões criados pelo professor sem conhecimentos. Além do mais, o seu sistema de avalaçao fere o disposto no artigo 24 das Leis e Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabelece a maioria das notas para atividades que não sejam provas e testes. (Há cerca de uma mês, a chefe da ouvidoria do núcleo de Curitiba debochou das LDBEN, dizendo que era ela quem definia o que era legal.) Mas, quando se pega um caderno de aluno desses professores, o susto é muito grande. Veja-se um resultado médio (a turma é quase toda assim; há semianalfabetos; e uma única aluna com habilidades):

 

O trecho é de uma aluna de cerca de quinze anos, estudante de uma sétima série do Colégio Estadual Nossa Senhora Aparecida, de Curitiba. Percebe-se que não há aquilo que o currículo nacional chama de habilidades. A aluna pode ter passado um bimestre estudando verbo, mas não sabe reconhecer o verbo na oração que ela produz, nem sabe que ele deve concordar com o sujeito. Não sabe que existe adequação da linguagem ao gênero, que é a base de toda possibilidade de prática discursiva na disciplina de língua portuguesa. na lista de conteúdos da professora, estão lá os eternos assuntos (ortografia, crase) de gramática fora do uso, e o velho equívoco de achar que dissertação é gênero discursivo, mesmo os funcionários que dão capacitação já estando roucos de tanto dizerem aos professores para não cometerem esse absurdo. É achismo. A professra ensina o que ensinaram a ela. E a aluna demonstra não ter entendido sequer o que a professora queria quando falava em dissertação. E não dominar nada dos conteúdos dados, mesmo a nota dela sendo ótima, das melhores da turma.

Compare-se a proposta curricular do referido colégio, uma série qualquer, aqui a sétima, e o conteúdo para a mesma série tal como está estabelecido na proposta curricular oficial paranaense. Primeiro, a proposta do colégio:

 

Depois, a das diretrizes curriculares paranaenses:
 

GÊNEROS DISCURSIVOS

Para o trabalho das práticas de leitura, escrita,

oralidade e análise linguística serão adotados

como conteúdos básicos os gêneros discursivos

conforme suas esferas sociais de circulação.

Caberá ao professor fazer a seleção de gêneros,

nas diferentes esferas, de acordo com o Projeto

Político Pedagógico, com a Proposta Pedagógica

Curricular, com o Plano Trabalho Docente, ou

seja, em conformidade com as características da

escola e com o nível de complexidade adequado

a cada uma das séries.

*Vide relação dos gêneros ao final deste

documento

LEITURA

Conteúdo temático;

Interlocutor;

Intencionalidade do texto;

Aceitabilidade do texto;

Informatividade;

Situacionalidade;

Intertextualidade;

Vozes sociais presentes no texto;

Elementos composicionais do gênero;

Relação de causa e consequência entre as

partes e elementos do texto;

Marcas linguísticas: coesão, coerência, função

das classes gramaticais no texto, pontuação,

recursos gráficos como aspas, travessão, negrito;

Semântica:

- operadores argumentativos;

- ambiguidade;

- sentido conotativo e denotativo das palavras

no texto;

- expressões que denotam ironia e humor no

texto.

ESCRITA

Conteúdo temático;

Interlocutor;

Intencionalidade do texto;

Informatividade;

Situacionalidade;

Intertextualidade;

Vozes sociais presentes no texto;

Elementos composicionais do gênero;

Relação de causa e consequência entre as

partes e elementos do texto;

Marcas linguísticas: coesão, coerência, função

das classes gramaticais no texto, pontuação,

recursos gráficos como aspas, travessão, negrito;

Concordância verbal e nominal;


Papel sintático e

estilístico dos pronomes na

organização, retomadas e

sequenciação do texto;

Semântica:

- operadores argumentativos;

- ambiguidade;

- significado das palavras;

- sentido conotativo e

denotativo;

- expressões que denotam

ironia e humor no texto.

ORALIDADE

Conteúdo temático;

Finalidade;

Aceitabilidade do texto;

Informatividade;

Papel do locutor e

interlocutor;

Elementos extralinguísticos:

entonação, expressões facial,

corporal e gestual, pausas ...;

Adequação do discurso ao

gênero;

Turnos de fala;

Variações linguísticas

(lexicais, semânticas,

prosódicas, entre outras);

Marcas linguísticas: coesão,

coerência, gírias, repetição;

Elementos semânticos;

Adequação da fala ao

contexto (uso de conectivos,

gírias, repetições, etc);

Diferenças e semelhanças

entre o discurso oral e o escrito.


Não existe uma filiação. Nada. A proposta oficial se ampara em três práticas discursivas, e tudo que se estuda está embutido nelas: leitura, escrita e oralidade. A proposta do colégio é apenas a cópia de itens de algum livro didático, que um ou dois professores devem ter achado parecido com o livro que elas usavam quando eram alunos. São conteúdos de gramática pura, tal como eram estudados há trinta anos. Até mesmo a terminologia não é a mesma.
Professores espertos. Tal como não precisam se preparar para concursos para poderem ser funcionários públicos, não precisam conhecer as suas disciplinas para atuarem em sala de aula, nem mesmo a direção que as propostas curriculares dão à metodologia e à avaliação. Esse professor nunca percebeu e vai se aposentar sem saber que metodologia e avaliação não são etapas separadas, mas formam um processo de construção de habilidades. Os alunos vítimas desse sistema não possuem habilidades linguísticas, mas são aprovados sem que a escola os transforme. Nas outras disciplinas, não é diferente. Naquelas puramente teóricas, é ainda pior.

Esses professores são o sonho dos pais que não querem a construção de competências e habilidades, mas apenas a aprovação. Aquela em que o aluno não lembra, na série seguinte, o que se viu na anterior. Não lembra, depois de fazer a sua prova, o que caiu nela. Esses professores seriam mantidos a qualquer preço na escola. Manter as práticas escolares como eram há trinta anos é uma religião para esses professores. Ele faz voto de ignorar, banir da sua vida tudo que é científico e diga respeito a uma terminologia fora dos chavões. Não deixar que os currículos oficiais sejam aceitos e praticados por pais e alunos é sua razão de viver. O sistema quer esse professor lá, precisa dele, coloca-o em comissões, cargos, é na casa dele que o diretor toma suas cervejas.

Desde os anos noventa se fala em eliminar os professores temporários, e os governos deram capacitações, fizeram concursos, mas eles continuam ali, cada vez mais influentes. Debocham das capacitações, colocam apelidos nos documentos oficiais. "Semana pegajosa..." Não fazem capacitações docentes, nem se preocupam com especializações, pois não possuem plano de carreira. Terminam suas carreiras como as começaram, assim como o seu aluno não vai adquirir habilidades definitivas, aquilo que nas propostas oficiais são os objetivos principais de o aluno ir à escola durante cerca de uma década.

E quem acredita que não há uma indústria mantendo essa condição, que envolva dinheiro, proteções políticas, compadrismo, instâncias colegiadas, sindicatos, é um ingênuo. Já vi o caso de uma autoridade política retirar a inscrição em concurso para cargo temporário de uma professora, para que sua filha ocupasse a primeira colocação. Quem brigaria com vereador? Quem crê que tudo acontece nos cargos temporários como se Aquiles não matasse Heitor é porque tem se beneficiado com isso. O aluno irresponsável, o pai que não quer aborrecimento, o professor que escolheu fazer uma licenciatura para nem sequer pensar em um bacharelado. Certamente foram educados por uma professora como a do livro de chamada acima.

domingo, 30 de setembro de 2012

Conselhos de classe com atas irreais, como os dessa escola de Londrina

Postado por uma professora no Facebook:

Em Londrina tem escola pedindo para os professores fazerem novas avaliações de recuperação do 1º e 2º bimestre, "para não precisar fazer reclassificação no ano que vem"... A intenção é facilitar para aprovar os alunos e fazer subir o índice do IDEB (mascarando?). O duro é saber que nenhum professor tem coragem de expor a indignação e ir contra esse tipo de deseducação dos nossos alunos, lastimável!
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Já que o assunto foi mencionado em uma rede social, é interessante estender um pouco a conversa.
Conselho de classe. O que seria isto?
Uma forma de se legitimarem ações que, sem a força de um conselho, seriam ilegítimas, imorais, irracionais, e que não teriam como suporte apenas a palavra do professor. Nem quando ele está certo.
A escola passou a chamar de "conselhos" essas formas de se auferir à escola direitos que, muitas vezes, a Constituição ou o Código Penal negam.
Para se beneficiar o mau aluno, o pai que acredita que uma "carteirada" abre todas as portas, existe o Conselho Escolar. Cria-se um conselho escolar para livrar o mau aluno das responsabilidades que, normalmente, estão no próprio regimento. Através da autoridade do conselho escolar, o aluno que explode um banheiro ou incendeia um carro de professor pode ser liberado de responder por isso junto às instâncias responsáveis fora da escola. Principalmente, se esse aluno for filho de algum prefeito ou pedagoga, como aconteceu em Cruzmaltina e Faxinal, ou filho de algum membro da APMF, como em Curitiba. E quem acredita que no Brasil só há diretores e pais honestos jura que não há dinheiro envolvido no que se decide em tais conselhos. 
Para se beneficiar o professor, ou a escola se livrar de enfretar seus problemas, há o Conselho de Classe. Da mesma forma, no início do ano se modifica o Regimento Escolar. Se algum professor acha errado dar recuperação, exclui-se esta do regimento, mesmo as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional deixando claro que recuperação é obrigação da escola e direito do aluno. Se algum professor tem saudade de quando ele era obrigado a decorar até o hino do exército, isto passa a ser exigido do aluno. É no regimento que a escola burla as deliberações estaduais ou leis federais. E aqueles funcionários que foram parar em cargos nos núcleos porque algum parente dormia com algum político influente passam a validar todas as ações que constarem em algum documento escrito. Nas escolas, a ata é essa grande bíblia da fraude e da construção de verdades extraídas do côncavo da lua. É muito comum a reunião em que se conversa sobre o que colocar em uma ata, já que a verdade que se extrai de alguns encontros pode ser origem de inúmeros dissabores. Uma delas eu citei aqui neste blog: a ata da reunião em que o núcleo de educação tentava justificar o fato de os professores terem assinado atas de reuniões que nunca ocorreram, mas nas quais o interesse de um grupo era validado, e o diretor mentia o teor das mesmas. Tal como o núcleo disse então que esse procedimento é usual, também se veria no caso citado pela professora de Londrina um exemplo de eficácia na hora de solucionar os percalços da rotina escolar. Que poderiam render prêmios de gestão, como no caso da Escola Ângelo Trevisan, em Curitiba. Uma boa ata inventada por um conselho escolar sem interesses pedagógicos transforma um regimento inconstitucional em modelo, ou besteiras repudiadas cientificamente em demonstrações de envolvimento da comunidade.
Para quem não sabe, há uma deliberação estadual que regimenta os conselhos de classe. Uma, estaduual, no site Dia-a-dia Educação; há outra, federal, no site do Conselho Nacional de Educação. Eles são deliberativos, e nada pode ser resolvido na base da votação, para que a reunião acabe logo. Os conselhos são eventos abertos. A lei estadual diz que é algo a ser implantado. Algo que já aparece nas leis federais. Algumas escolas já vinham fazendo conselhos de classe na quadra de esportes, para que os interessados pudessem assistir a eles. Na prática comum, o conselho de classe é imposto como um evento sigiloso. O professor não pode sequer falar sobre ele com algum aluno ou pai, mesmo esse evento tratando da vida deles. Mesmo as leis garantindo a eles o acesso ao conselho e ao que se decide nele. Há professores que fazem escândalos homéricos quando chega a eles a informação de que algum aluno ficou sabendo se está ou não reprovado. Ontem, sábado, houve conselho de classe em Faxinal. No final do ano, ele é feito aos sábados para que se passe o tempo suficiente para que o aluno não possa recorrer, caso ele reprove. No meio do ano, sábado é uma garantia de que não se vai ficar muito tempo em discussões. A professora já marcou hora no salão, o professor tem academia dali a pouco. É muito comum que os professores assinem a ata ainda em branco, ou que esta lhes seja dada muitos dias depois, durante o recreio, para eles assinarem. Em ambas as circuntâncias, ela nunca é lida. Por isto, podem-se ocasionar fraudes, como no Colégio Padre Gualter Farias Negrão, em Cruzmaltina. Em 2008, o conselho final no referido colégio ocorreu em um sábado com churrasco e amigo secreto. E uma pressão cerrada da diretora para que tudo acabasse antes das onze horas da manhã. Que não se deliberasse, apenas se votasse; nada de se ouvirem argumentos.Também havia um casamento a que uma pessoa precisava ir, e o conselho não poderia se arrastar. Em 2006, o conselho final, no mesmo colégio, foi regado a cerveja. Assim que os primeiros pedaços de carne estavam assados, diante da porta da sala onde ocorria o conselho, foi difícil segurar alguns professores. Em princípio, era comum ver aquele notório alcóolatra com uma lata de cerveja ao lado de seus registros escolares. Aos poucos, ele ficou lá fora e apenas gesticulava dizendo que não tinha nenhum problema para resolver, que os presentes fizessem o que bem entendessem. O exemplo foi seguido. As últimas turmas a serem objeto de discussão foram abordadas por menos da metade de seus professores. Nada disto consta na ata. Em 2010, o conselho do segundo trimestre foi interrompido para que se fizesse uma festinha para a pedagoga, que entrava em licença. O conselho foi interrompido por um bolo e um vaso de orquídea e não foi retomado.
Sempre, o professor que se esquiva diz que não tem problemas com aluno, como se o conselho tratasse da vida dele, que não tivesse preocupações. Mesmo naquelas escolas em que 70% dos alunos são aprovados em conselho de classe, pois não alcançam nota. Caso do Colégio Nossa Senhora Aparecida, de Curitiba, que realizou uma palestra sobre dança na data de seu conselho.
É muito comum, nessa hora, que a pessoa que preside o conselho apenas pergunte: "APCC?", assim mesmo, como se fosse um novo jargão escolar. E os professores respondem: "APCC". Já se ouve o verbo "apececezar" na boca de professores mais irônicos. Rotina de escola. O que acontece nesses conselhos fica secreto. A ata é sempre um meio para se legitimarem ações imorais, como a do professor que não vê com bons olhos a anotação "APCC/6,0" em seus livros de registros, então ele usa um lápis-borracha, apaga as notas do aluno e lhe confere outras, para que o mesmo apareça como "Aprovado". Normalmente, isto acontece quando os pais do aluno são notórios encrenqueiros, daqueles que reclamam mesmo conhecendo as atitudes do filho, que obrigam os professores a fazerem conselhos nas férias para reverem notas. Um aluno da Escola Ângelo Trevisan usou este fato como argumento em uma discussão com uma pedagoga. Bastaria seu pai entrar com processo e ele seria aprovado. Estava claro que o aluno era apenas a voz que reproduzia o discurso do pai. A pedagoga anotou em ata, e eu tive o cuidado de gravar a cena em áudio. Está na hora de colocar esse áudio em espaço público.
O professor desiludido passou a achar que dar notas e aprovar é uma garantia de poder ter sossego, não interessando os problemas pedagógicos ou morais decorrentes do ato. Aluno é meio de vida, apenas isto. Ele é passageiro e não merece uma preocupação duradoura. Nada que tire o sossego das férias. Ou que faça a diretora ter que localizar aquele professor que nem é efetivo para uma reunião de emergência. Em 2008, uma dessas reuniões ocorreu no Colégio Olavo Bilac, em Faxinal. O aluno reprovado tinha deixado de assistir às aulas de português em setembro, para não ter que escrever textos ou produzir textos orais. Ele também jurava de pés juntos que jamais em sua vida leria um livro. Viera de uma escola curitibana e lá nunca produzira nem lera textos. E era um aluno de oitava série. Ficaria difícil saber como ele chegou até ali, para quem não conhecesse as escolas da capital paranaense. Mas o aluno deixou as aulas, mudou de cidade até. No ano seguinte, veio uma instrução do núcleo para que o aluno fosse aprovado, porque se alegava que a escola não dera a ele chances de recuperar a nota.
São eventos ridículos assim que fazem a escola de Londrina querer adulterar notas, modificar em outubro o que se registrou em abril. Ou uma pretensa recuperação anual, como se praticava antigamente. Em toda parte é assim. Mas a escola sabe que hoje o aluno teria razão, mesmo no caso desse do Colégio Olavo Bilac. Por isso, o professor prefere, tamtas vezes, a lata de cerveja nos conselhos de classe, que a preocupação de registrar a verdade inegável dos fatos ocorridos.
A verdade não tem nada a ver com atas. Ao contrário do que Rosely Sayão escreveu na Folha de São Paulo deste domingo, a escola precisa de câmeras. A verdade não pode depender só de palavras, escritas ou pronunciadas em conselhos inventados para obscurecê-la.