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Recebi a mensagem acima de uma antiga aluna. Ela apenas
concorda com os fatos que enumero em meus textos. Pouco antes de ela me mandar
a mensagem, de forma pessoal, um outro antigo aluno relatou em rede social a
seguinte situação:
1.
João
zinho
Uffa...
Aula vaga hoje, voltar pra casa mais cedo.
Aula vaga hoje, voltar pra casa mais cedo.
Poderia parecer estranho: a postagem foi feita em uma
segunda-feira, durante uma noite em que não chovia, não havia jogo na televisão,
nem comício na cidade, não havia torneio no ginásio de esportes, nem feira na
rua, nenhum velório de parente de aluno. Nada daqueles muitos eventos que
motivam a dispensa de alunos, principalmente no colégio em que esse aluno estuda (rsrsrsrsrsrs...). Falta de
professor, talvez. Mas sempre foi assim. Hoje deve até ter melhorado, pois o
aluno manifestou algum estranhamento. Lembro quando trabalhei lá à noite e
colegas professores brincavam, quando entravam na sala destinada a eles antes
do início das aulas, esfregando as mãos com ironia: “O que vai ter hoje para a
gente ir embora?” Bastava a vontade da pessoa que sentava na cadeira da
direção.
A aluna da mensagem demonstra surpresa por ver alunos se
drogando durante as aulas de educação física. Não deveria. Essa disciplina
permite que o professor fumante não se importe com leis estaduais ou federais,
afinal, ele se vê em espaço aberto, e coloca o aluno na mesma condição. Do
tabaco que os alunos usavam no Colégio Santa Felicidade à maconha que o inspetor
de outro colégio do mesmo bairro me disse que os alunos acendiam com o isqueiro
que ele emprestava, há uma distância pequena. Mas passa pela cegueira dos
funcionários do núcleo e de seus setores. Passa pelo “deixa pra lá, é problema
social” das escolas.
Em Cruzmaltina, cidadezinha com seu único colégio, durante
anos houve um fumódromo que era usado por alunos (principalmente garotas) de
doze ou treze anos, atrás da sala da sétima série do período noturno. Mesmo que
as pessoas se deslocassem da ouvidoria do núcleo para lá e pudessem encher
sacolas com as provas de que essa ação ocorria, elas sempre sairiam de lá
dizendo que era só boato. Era o aluno com sérios problemas respiratórios que
tinha que permanecer no pátio até a fumaça se dispersar dentro da sala.
A aluna cita a presença de câmeras e inspetores. De fato,
não adianta colocar funcionários para vigiar. O resultado pode ser a atitude do
inspetor citado mais acima. Que eu, numa noite em que fui entregar um documento
na escola, encontrei sentado ao portão, com uma garrafa de cerveja ao lado,
embriagado; mas era a única pessoa na escola para me atender, mesmo sendo oito
da noite. E a garota cita fatos ocorridos durante o dia, horário em que
supostamente estudam os mais novos, dependentes ainda dos pais.
A presença de drogas no espaço escolar não deve estar
sujeita apenas à cegueira das pessoas pagas para monitorá-lo. A aluna, por
exemplo, estudava em um colégio do setor Bairro Novo, em Curitiba. Região em
que trabalhei e onde ouvi falar de crimes no pátio. Fui vítima de ameaças por
rapazotes com histórico de indisciplina; fui vítima de assédio moral por
garotas com uma séria predisposição à dissipação moral, já que, nas palavras da
diretora, a maioria ia à escola apenas porque os pais não queriam tais filhos
em casa.
A mesma aluna postou na internet há poucas horas o seguinte
comentário:
Galera to
tremendo aki faz um 20 minuto q mataram um cara aki na frente!!! tem um monte
de gente e um monte de policia a frente da minha casa ta isolada e uma boa parte
da rua, pelo que conheço ainda vai demora umas 2 horas ai na porque ate o ML
chegar vixi vixi
E, mais tarde:
Vi cenas horrivel hoje aki debaixo dos meus olhos, coisas
que mexeram comigo e me deu medo...
E a tristeza de uma familia que perde alguem especial independente dos erros desse jovem quem esta sofrendo e a familia os gritos da irmã dele ainda estão gravados e ela ainda grita...
Isso me deu muita tristeza e não sei se consiguirei dormir mais agora vou deitar e rezar por mim pela minha familia e por essa familia que esta sofrendo tanto...
Boa noite face.... E que amanha seja um dia melhor!!! fui-me para cama grudar na minha mamis linda
E a tristeza de uma familia que perde alguem especial independente dos erros desse jovem quem esta sofrendo e a familia os gritos da irmã dele ainda estão gravados e ela ainda grita...
Isso me deu muita tristeza e não sei se consiguirei dormir mais agora vou deitar e rezar por mim pela minha familia e por essa familia que esta sofrendo tanto...
Boa noite face.... E que amanha seja um dia melhor!!! fui-me para cama grudar na minha mamis linda
Vejo nesse comentário a resultante do que ela me escreveu,
de forma particular. A escola forma pessoas com essas disposições. Se elas não
as possuem, é um risco muito sério o de desenvolvê-las, como acontece com
alunos do Colégio Nossa Senhora Aparecida, no setor Bairro Novo. Quando eles
revelam a vergonha de escreverem os nomes dos pais, em biografias e entrevistas,
percebe-se que a escola tem um papel muito definidor em suas formações. O que
ela lhes mostrar como aceitável em uma instituição que Althusser considera
inventada apenas para o controle do estado sobre as pessoas, passa a ser
normal, assimilável.
A garota saiu de Cruzmaltina já ao final do ensino médio. A
sua ingenuidade em se chocar com os churrascos que os alunos faziam enquanto
matavam aulas ou elas não eram dadas, lá no interior, parece uma situação de
imensa docilidade diante de seu horror com o uso de drogas na escola
curitibana. E, agora, com o assassinato diante da sua porta. Ela relata que o
assassinado era jovem e que deve ter cometido erros. O que seria? Morava com a
família, talvez voltasse do colégio.
Existe uma cadeia que liga essas ações. Aquele aluno de
período noturno, que se forma e não sabe redigir uma carta formal, vai para a
cidade grande e vira a mão de obra barata que mora em regiões como a do Bairro
Novo. Há ainda os não-formados, e pessoas que vão à escola apenas para comer. Ou
porque a escola é o local onde a rapaziada vai poder usar seus bagulhos sem o
risco de um policial que a vigie. Vigie e puna, tal como em Foucault. Esse
policial, como os super-homens da Patrulha Escolar, vai garantir o sossego
desse aluno. Colocadas diante do vício, a situação dessas pessoas muda. Alunos
que no interior matavam aula para jogar sinuca; na cidade, eles conhecem o
coleguinha que aos doze anos já ameaçava os professores, e que agora é um cara
descolado. Aqueles deixam de ser cordeiros e viram super-homens desligados de
toda preocupação moral. Podem matar na saída da aula. Matar a aula é para os
fracos, como agora pensam. Podem matar para tomar a droga que o coleguinha
mostrou que estava na bolsa, ainda durante a aula. Podem agir em um momento de
grande excitação. Mas podem também querer apenas não precisar da escola para
comer. Como me diziam a diretora e o chefe de setor lá no Bairro Novo, “a
escola não tem nada a ver com esses problemas da sociedade.”
A garota fala de câmeras. Tão inúteis, como foram tantas das
aquisições tecnológicas que as escolas receberam. Fala dos inspetores, tão
eficientes nas suas funções como são as responsáveis pela adequação das
práticas docentes às propostas curriculares oficiais. Se hoje essa garota
denunciasse a uma ouvidoria o consumo de drogas na aula de educação física, e a
escola dispusesse já dessas aulas gravadas, o argumento das pessoas das áreas
jurídicas seria que as imagens fossem apenas montagens mal intencionadas. Ou diriam
que a verdade do que estivesse nessas imagens é um veredicto a cargo delas, e
não dos cinco sentidos.
Será que, como espera a garota, amanhã pode ser um dia
melhor?
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