Fica difícil compreender a natureza de um documento como este acima.
Escrito por um aluno de licenciatura em física, contém um trecho de história, outros riscados, mas encimados pelo nome que o identifica. Em seguida, o enunciado pede o resumo de um capítulo de livro. A disciplina é História e Filosofia da Educação. A mesma folha foi usada para vários pretextos, mas só um o aluno concretiza. Usa a folha de caderno para fazer um "desabafo" e deixar claro que não fará a atividade pedida. Ele fala sobre uma provável reprovação na disciplina como se isso nada representasse na sua formação como professor de física. A certeza de que, reprovando ou não, sabendo ou não escrever, estará formado e habilitado para atuar, proporciona a ele a segurança para se declarar inapto. Trabalharia, ao longo da carreira, sobretudo na condição de professor temporário, pois tal professor não passaria, evidentemente, pela redação em um concurso público. Um dos motivos de esses professores terem lutado para excluir a redação do concurso público. Raciocínio rasteiro, do tipo, "eu não preciso saber escrever para lecionar física".
Poderia parecer uma humilde confissão de falta de habilidade. Mas é uma afronta a quem leciona a disciplina. O aluno se coloca na condição de quem não precisa saber escrever. Mais do que isso, ele escancara uma formação problemática fora da educação formal. Sua linguagem é inadequada para o ambiente acadêmico. Certamente, é a única dominada por ele. Passou pelo ensino básico assim, provavelmente sem nunca ter levado as aulas a sério. Trata-se de um pretexto para que o mesmo possa exibir a linguagem de seu meio. O uso de expressões chulas, típica de meios violentos e de baixa instrução, serve para que se infira o passado do graduando como aluno, talvez a sua formação moral. Ele está querendo insinuar que é para se ter medo. Linguagem chula, usada para mostrar uma atitude de quem não respeita convenções e não se importa com elas. O universo de pichadores, de quebradores de pontos de ônibus, de quem convive com atitudes de inadequação a normas de convívio social, é o que ele quer exibir, com certo orgulho disso. Certamente é um bolsista, mas não deve haver uma exigência de regimento. É quase uma formação continuada, que visasse apenas a formar, sem capacitar.
Aluno de escola pública. Daqueles que a escola passa para se livrar logo.
Mas, independente de qualquer julgamento dos valores sociais que a atitude do aluno desrespeita, fica evidente a sua falta de habilidades. Ele não sabe escrever, nem só em termos de domínio da variante padrão, ou de estrutura de texto, mas de habilidades cognitivas, como entender um capítulo de livro ou de apostila e encontrar nele as ideias, seu tema, a demonstração deste, aquilo que faz do texto uma unidade. Trata-se do aluno que só consegue copiar ou reescrever frases, de modo a acumular um número delas e o mesmo possa dar a tarefa como pronta.
Este graduando pode ser visto nas escolas públicas, já atuando como formado, através de seus pares. Pode ser visto em inúmeros exemplos de docentes que não dominam a escrita, não compreendem propostas curriculares, documentos oficiais, ou mesmo os livros-texto das suas disciplinas. Mas atuam. Passam o ano letivo mostrando filmes, fazendo alunos escreverem cartazes, ou dando nota a partir da dança na festa junina, do desfile cívico, da colaboração para a merenda. Consideram ridículos os cursos de capacitação, as revistas sobre educação, as propostas, pois eles chegaram a seus cargos sem dominar as habilidades que os capacitariam para as mesmas. E protestam porque o governo chamou para atuar os aprovados do último concurso realizado.
A certeza da possibilidade de atuar, mesmo sem essas habilidades, é aquela mesma que leva tantos docentes a não ver nenhum motivo para desenvolvê-las. Lembra o meu professor de física, em 1985, que entrava na sala de aula e pedia que cada um saísse por vez, para a direção pensar que ele estivesse dando prova. Quando alguém lhe perguntava se daria conteúdo, ele debochava e dizia que ninguém ali precisava de aulas.
É fácil entender o modo como tais graduandos e docentes enxergam a educação. A folha acima só pode ser entendida como uma explicação para essa cegueira.
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