Antigamente, era a segunda-feira o dia cansativo. A escola
encarregou-se de mudar essa visão. E fez da sexta-feira um dia perdido.
Primeiramente, pela paixão por empurrar recessos para esse
dia. Depois, porque criou na comunidade escolar em geral a ideia de que tudo
que se fizer nesse dia é apenas por exigência do sistema. Então, nos anos 90,
pôs-se a hora-atividade nesse dia, e esta era apenas uma possibilidade de a
escola ser fechada mais cedo, do tipo a
gente já fez tudo que tinha para hoje.
Na hora de fazer horário, os professores não querem
trabalhar na sexta-feira. É comum, então, empurrar-se a disciplina que não
reprova, como Arte ou Inglês, o que significa um convite para a falta sem
prejuízo. Hoje, já é mais complexo fazer isso. Algumas escolas preferem fazer
de conta que é o aluno mesmo que não aparece, sem nenhum aval da instituição. O
que é aparente.
Em 2011, o diretor do Colégio Santa Felicidade me alertou
que sexta era um dia perdido, em que todos podiam descansar. O fato é que a
ausência do aluno gerou transtornos, e a escola viu-se na obrigação de coibir
as faltas. Criou um relatório que o aluno deveria fazer ao final da última
aula, mas que, na prática, representava apenas a possibilidade de se obter nota
pelo cumprimento da frequência, prática corriqueira no sistema público. O
exemplo abaixo reproduz um desses relatórios.
Repare-se que ele não possui os elementos textuais de um
relatório. Não tem os dados obrigatórios, como o que aconteceu, quando, onde,
os objetivos, os meios usados, é apenas um conjunto de cinco a dez linhas que o
aluno escreve e (pasme-se) vale 25% da nota total. Repare-se que a escrita do
aluno de ensino médio faz pensar em frases soltas feitas por alunos em fase de
alfabetização. O relatório vira questionário, como em tudo mais que se usa para
avaliar. Não há profundidade, não há coesão, não há coerência. O modelo crasso
da escola que, segundo o núcleo de educação, achou uma solução para um
problema.
Outros modelos podem parecer surreais. Como o que o Colégio
Padre Gualter Farias Negrão fazia. Foram inúmeros meios. Entre 2005 e 2006, a
ideia era apenas deixar que o aluno não fosse à aula para ir a uma feira de
hortaliças mais dois ou três outros produtos, feita nas noites de sexta. Nada
que pudesse distrair a atenção de jovens, além de uma barraca com bebidas. Ou
um alto-falante tocando música sertaneja. Mas bastava: até o final da década a
existência de tal feira foi pretexto para explicar mesmo ao núcleo de educação
por que não havia aula às sextas. Dizia-se até mesmo que o som vindo da feira
prejudicava a atenção dos alunos.
Aos poucos, a sexta-feira virou uma estratégia de
malandragem. Por exemplo, uma professora assumir uma disciplina à noite e
exigir todas as aulas de uma turma naquele dia, já sabendo que não terá com que
se preocupar. As aulas nesse dia eram um presente a quem se conhecia de longa
data. Ou o motorista do ônibus escolar parar nesse dia, dizendo que merecia uma
noite para ficar em casa.
Lembro em 2010, um grande aluno do período da manhã, para
quem dei aula durante cinco anos, e que passara para noite. Eu o encontrara por
acaso. Ele me dizia, sentado em um banco diante da escola, sobre como seu
rendimento diminuíra à noite. Eu lhe dizia que não voltaria a trabalhar em
período noturno, desde que concluíra as aulas do meu doutorado. Um aluno
dedicado. Quando estudava a oitava série, concluiu o último trimestre com 9,0
de nota, e isso não lhe agradou. Perguntou qual de suas atividades ele poderia
fazer novamente. E eu lhe indiquei o bônus que propusera à turma: o aluno que
quisesse fazer um trabalho sobre obra literária além do obrigatório, a ser
exposto como seminário para toda a turma, ganharia um bônus de 1,0 ponto. Ele
leu uma obra em 3 dias e a expôs. Chegou a 10,0, e era uma cultura comum entre
aqueles alunos da manhã o querer bons resultados. Ele me contou que à noite
nunca lera. Mas lamentou que, todas as sextas, os seus antigos amigos saíam da
aula na hora do intervalo e faziam um happy
hour na casa do diretor que, segundo ele, atraía os alunos até o horário do
transporte escolar. Naqueles dois anos, era comum ficar-se sabendo que um novo
adolescente começara a fumar naquelas noites sem aula. Foi lamentável ver,
durante a festa de dia do estudante em 2010, o diretor entregando tabaco a um
desses alunos. Fotografei a cena, que evito divulgar em respeito à mãe do
aluno, que me disse ser contrária ao vício do filho. Fiz questão de me
certificar de que o tabaco era mesmo para o uso do aluno. Essas facilidades do
período noturno sempre foram e sempre serão uma estratégia para reeleição de
diretores, porque esses alunos votam. Seja na capital ou no interior.
Aquele mesmo aluno, que me relatava estar desenturmado no
período noturno, demonstrava querer aulas durante o período das cinco aulas,
mesmo sendo obrigado a estudar à noite porque trabalhava. A cultura de que todo
aluno de período noturno deseja evadir-se tornou-se uma palavra oficial de toda
escola. Dizer que o aluno não vem à escola é uma praxe criada pela ação de não
coibir a falta, de não se fazer desse dia um dia efetivamente letivo. Fala-se
que a culpa é do aluno. Mas este já sabe, desde que ingressa na instituição,
que ela mantém tal praxe. Vocês não vêm e
a gente não dá nada importante. Daí ao professor já ter reservado mesa nas
pizzarias para a noite de sexta é um passo. Que há muito vem sendo dado. Coisa
de brasileiro simpático e de bem com a vida. Que não perde uma eleição para o
cargo. E que, graças a isso, pode até pleitear outros cargos.
É a pura realidade. Aqui na minha cidade (São Vicente-SP) a história é exatamente a mesma. Parece que certas coisas pegam como doença. Alguns educadores e alunos sérios destoam dessa realidade. É preciso não desanimar. É preciso que artigos como este continuem a ser escritos. Assim mobilizaremos discussões positivas para mudar essa cultura de "brasileiro simpático e de bem com a vida" irresponsável. Parabéns pelo artigo !
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