Estava lendo há pouco sobre Lúcio Cardoso, na Folha de São Paulo.
Nada além de uma resenha, de um texto não-literário, mas que levou por minutos a
um mundo de ideias relevantes.
Torna-se indigesto e uma profanação ler sobre um grande
artista e depois me preocupar com a rede pública de ensino, tal como eles estão.
Ela, a rede; ele, o ensino. Quase como se uma Elis Regina ou um Milton
Nascimento fossem animar festinhas no Big Brother.
Lúcio Cardoso me fez lembrar uma conversa que tive durante a
semana com uma professora da rede estadual. A amizade dele com Clarice
Lispector me trouxe essa lembrança, que ilustra bem a tão propalada cultura do
professor público. Nesta semana, estava programado que eles começariam uma greve.
Por dinheiro, claro. Deveriam também usar esses dias para ler alguma coisa
relevante, do ponto de vista da cultura mesmo.
Essa professora insistia em me dizer que talvez colocasse o
nome de Clarice em um bebê que espera. Ela própria, numa atitude típica das
nossas professoras, tentou mostrar que tem alguma cultura, dizendo que queria
homenagear Clarice Lispector. Para quem conhece professor da rede pública e
sabe que leitura não faz parte de seus hábitos nem das suas necessidades, a
frase soou ridícula. Quis saber o que a professora já tinha lido da autora.
Nada. Insisti: mas por que então? Veio uma resposta típica de professoras que
nunca voltaram para casa com um livro e leram, mas que insistem em alardear
conhecimentos que não possuem. Ela disse que gostava das poesias de Clarice. Eu
disse: ela não fazia poesias. Nunca fez. A professora perguntou o que a autora
fazia. Eu respondi: contos, romances, crônicas. A resposta foi típica: um “isso
não importa” com o tom de que mostrar a umas colegas na sala dos professores
que ela homenageara um nome que todas conhecem apenas dos posts das redes sociais e que, por isto, se fazia uma pessoa
antenada. Provavelmente nem sabe o que é poesia, e acredita que as frases de
autoajuda que adolescentes postam na internet têm algo a ver com poesia ou com
arte. Ou que uma grande escritora os escreveria.
Pobre Clarice. Caiu nas mãos de quem jamais poderia
sustentar seu peso: professores do ensino básico. O mundo dos chavões, das
ideias preconcebidas, do kitsch, das
lembrancinhas feitas nas aulas de arte como sendo tal, nada mais contrário à
arte praticada por autores como Clarice, essa literatura complexa, que foge a
todos os gostos estabelecidos e aos chavões que o professor adora.
Faz lembrar também o primeiro dia de aula deste ano de 2012.
A escola estava cheia de cartolinas com o que um dia foram hai-kais. Copiados
na cartolina, sem o respeito aos versos, à estrutura de três versos (com a
métrica, se possível), como se aquilo valesse apenas porque tinha o nome da
poetisa Helena Kolody, que faz cem anos e a escola deve ter recebido algum
panfletinho pedindo para falar dela. Ninguém sabe o que ela fazia, nem sabe ler
a sua obra. E são professoras. É fácil imaginarem-se aquelas pedagogas de
Faustão e Big Brother, ou a professora das aulas de reforço, que massacra
alunos tentando fazer com que aprendam ortografia através de ditado, mesmo toda
pessoa com o mínimo de informação sobre a língua portuguesa sabendo que nossa
língua não é alfabética, e que o aprendizado das palavras é visual. A
professora acredita que estudou em uma escola maravilhosa nos anos 60 ou 70, e
despeja a sua ignorância sobre a língua em crianças, que ficam tremendo quando
ela dita as palavras em tom de ameaça, e escrevem o que ela falou, não as
letras que ela lê no livro. Imagino uma criatura assim passando tardes
escolhendo as cores para escrever os hai-kais, certamente sem saber do que se
trata, e dando a eles aquela mesma estrutura dos pensamentos, dos ditos famosos
que lá na década de 70 a professorada achava o máximo, e fazia o aluno escrever
em trabalhos. Decerto fica tentando achar uma mensagem moralista ou de
autoajuda na poesia de Kolody, e só encontra lampejos da natureza ou da vida
comum. Colocou assim mesmo nas paredes. Para dizer que elas, inclusive as
pedagogas que nunca leram nada fora apostilas, sabem quem é a autora e que
aquilo é algo para a escola celebrar. Do tipo: ela é daqui, a gente lê por
isso, a escola já fazia isso na minha época, e nós estamos aqui formadas. Nas
suas casas, nenhuma obra literária. Nunca nem jamais.
Pobres crianças.
Aprendem esses rituais e passam a achar que eles são a própria essência da
escola. Se alguém buscasse um volume da própria Kolody e mostrasse ao aluno,
ele diria que não é, mas que aqueles cartazes sim são. E a nossa escola forma
alunos tão reais como os hai-kais colocados nos cartazes são o gênero japonês ou
os posts nas redes sociais são da
grande escritora. Luízas, Beatrizes e Ângelas que um dia teimarão que A paixão segundo GH ou A hora da estrela não são de Clarice,
mas que os chavões postados no Facebook são. Professores que mostrarão os nomes
de filhos como se escolhessem um perfume da moda no catálogo da Avon, o único
livro de livre circulação e leitura dentro das salas de professores brasileiras.
Parabéns, Edson! Linquei seu texto e ainda achei uma encantadora imagem de vaquinha de presépio para ilustrar a atitude das professoras, rsrs... Você viu seu colega Márcio Gonçalves, também do Paraná? Será que algo vai começar a funcionar? Um abraço!
ResponderExcluirNesta semana eu devo me mudar de Curitiba. Estou desde abril recebendo um terço do salário. Há vinte dias, fui à escola reclamar porque para a secretaria de educação eu dou aula aqui de manhã e a 300 quilômetros à tarde. Então, queria documentos, como meus suprimentos e pontos. Fui ameaçado, disseram que chamariam a patrulha escolar, mesmo eu estando com a cópia da lei sobre documentos debaixo do braço. Hoje, acho que terei que viver de ajuda.
ExcluirAchei corajoso o colega de Campo Largo. Acho que ele está percebendo que nossa rede prefere professores sem concurso e com diplomas duvidosos.
Pois é, Edson, vocês são dois corajosos... e infelizmente o resto dos profissionais sérios acabam se calando por medo. Seria legal você entrar lá no facebook dele e de repente postar mais informações, por exemplo, de órgãos para os quais educadores de outros estados possam recorrer em nível federal. Eu não posso fazê-lo, pois já sou uma pessoa execrada pela corporação e o argumento mais forte que usam contra mim é de não pertencer à própria corporação. Você deve saber que existe um ódio do professorado contra os pais de alunos, principalmente aqueles que cobram trabalho, pontualidade e assiduidade... Também seria legal você resumir o seu caso lá, quem sabe mais educadores se atrevam a vir a público Um grande abraço!
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