Em Londrina tem escola pedindo para os professores fazerem novas avaliações de recuperação do 1º e 2º bimestre, "para não precisar fazer reclassificação no ano que vem"... A intenção é facilitar para aprovar os alunos e fazer subir o índice do IDEB (mascarando?). O duro é saber que nenhum professor tem coragem de expor a indignação e ir contra esse tipo de deseducação dos nossos alunos, lastimável!
Existe o fracasso da educação pública, e existem causas.
O fracasso da educação pública é algo assimilado pela opinião pública brasileira. É como falar sobre a corrupção na política. Admite-se, mas não se enxergam causas nem soluções. É mais um mal da sociedade brasileira que, grosso modo, nem adiantaria trazer para a discussão. Poderia ser mais um tema para humorísticos e discursos de palanque, mas o brasileiro não quer se envolver no problema. Rende reportagens na televisão, denúncias na imprensa, mas não é algo que tire o sono daquele que frequenta uma escola ou manda seu filho passar horas diárias em uma delas. Nada além de mais uma fraqueza do país.
Existe uma vasta bibliografia sobre o fracasso da escola pública. Mas que é feita para educadores preocupados com currículos e metodologias. Na verdade, é um diálogo que se efetiva apenas no meio acadêmico. E que acaba influenciando decisões políticas. Estatísticas, avaliações institucionais. No entanto, quem trabalha ou trabalhou na escola pública e, além disso, estudou nela, sabe que as causas de seu fracasso se evidenciam nas ações cotidianas ali praticadas. Há inúmeros culpados. Diretores, professores, alunos, pais, pedagogos, burocratas.
Existe uma máscara encobrindo as causas desse fracasso. E que encobre soluções que ultrapassem os âmbitos curricular e metodológico, com todos os recursos físicos que estes envolvem. A máscara cria falsos mitos para encobrir os verdadeiros culpados. Ela erige falsos mártires. Transforma em vítimas aqueles que são imediatamente culpados pelas ações que levam ao fracasso. E que insistem nessas ações.
Não há dúvida: as causas são muitas. Vão desde a aula mal dada à aula nunca dada. Entre uma e outra, a máscara é construída por todos que estão envolvidos no processo educacional. E atrás dela existe um mundo inacreditável, que a imprensa não denuncia, que o acadêmico não coloca em suas pesquisas, que a autoridade finge não perceber, e que existe porque inúmeras pessoas ganham com esse fracasso. E são ganhos de inúmeros tipos.
Por que não falar sobre isso? Mas falar do ponto de vista de alguém que presenciou cada uma das causas desse fracasso aqui apontadas. Desde a vida como aluno até o trabalho como professor e pesquisador. Alguém que estranhou a probição que recai sobre essa discussão. E que passou a ver a própria discussão oficial sobre o assunto como uma máscara. Dizer que a escola ganhou um computador ou que não o possui é só uma forma de não se dizer que o instrumento vai ser usado para burlar o processo pedagógico. Mas, quem o disser estará fora da dança de quadrilha que é o debate sobre educação, não formará um trenzinho nem girará no círculo daqueles que se envolvem no assunto.
É preciso ter a coragem de dizer: na educação pública acontece isso, acontece aquilo, e tudo isso gera o inevitável: o fracasso. Que nenhum dos programas oficiais voltados para a melhoria do ensino público vai conseguir vencer. Tal como a escola pública acontece hoje, ela só poderá acabar em falência completa.
Existe uma vasta bibliografia sobre o fracasso da escola pública. Mas que é feita para educadores preocupados com currículos e metodologias. Na verdade, é um diálogo que se efetiva apenas no meio acadêmico. E que acaba influenciando decisões políticas. Estatísticas, avaliações institucionais. No entanto, quem trabalha ou trabalhou na escola pública e, além disso, estudou nela, sabe que as causas de seu fracasso se evidenciam nas ações cotidianas ali praticadas. Há inúmeros culpados. Diretores, professores, alunos, pais, pedagogos, burocratas.
Existe uma máscara encobrindo as causas desse fracasso. E que encobre soluções que ultrapassem os âmbitos curricular e metodológico, com todos os recursos físicos que estes envolvem. A máscara cria falsos mitos para encobrir os verdadeiros culpados. Ela erige falsos mártires. Transforma em vítimas aqueles que são imediatamente culpados pelas ações que levam ao fracasso. E que insistem nessas ações.
Não há dúvida: as causas são muitas. Vão desde a aula mal dada à aula nunca dada. Entre uma e outra, a máscara é construída por todos que estão envolvidos no processo educacional. E atrás dela existe um mundo inacreditável, que a imprensa não denuncia, que o acadêmico não coloca em suas pesquisas, que a autoridade finge não perceber, e que existe porque inúmeras pessoas ganham com esse fracasso. E são ganhos de inúmeros tipos.
Por que não falar sobre isso? Mas falar do ponto de vista de alguém que presenciou cada uma das causas desse fracasso aqui apontadas. Desde a vida como aluno até o trabalho como professor e pesquisador. Alguém que estranhou a probição que recai sobre essa discussão. E que passou a ver a própria discussão oficial sobre o assunto como uma máscara. Dizer que a escola ganhou um computador ou que não o possui é só uma forma de não se dizer que o instrumento vai ser usado para burlar o processo pedagógico. Mas, quem o disser estará fora da dança de quadrilha que é o debate sobre educação, não formará um trenzinho nem girará no círculo daqueles que se envolvem no assunto.
É preciso ter a coragem de dizer: na educação pública acontece isso, acontece aquilo, e tudo isso gera o inevitável: o fracasso. Que nenhum dos programas oficiais voltados para a melhoria do ensino público vai conseguir vencer. Tal como a escola pública acontece hoje, ela só poderá acabar em falência completa.
domingo, 30 de setembro de 2012
Conselhos de classe com atas irreais, como os dessa escola de Londrina
Postado por uma professora no Facebook:
Em Londrina tem escola pedindo para os professores fazerem novas avaliações de recuperação do 1º e 2º bimestre, "para não precisar fazer reclassificação no ano que vem"... A intenção é facilitar para aprovar os alunos e fazer subir o índice do IDEB (mascarando?). O duro é saber que nenhum professor tem coragem de expor a indignação e ir contra esse tipo de deseducação dos nossos alunos, lastimável!
Em Londrina tem escola pedindo para os professores fazerem novas avaliações de recuperação do 1º e 2º bimestre, "para não precisar fazer reclassificação no ano que vem"... A intenção é facilitar para aprovar os alunos e fazer subir o índice do IDEB (mascarando?). O duro é saber que nenhum professor tem coragem de expor a indignação e ir contra esse tipo de deseducação dos nossos alunos, lastimável!
domingo, 23 de setembro de 2012
Sexta-feira: dia de diretor esperto
Antigamente, era a segunda-feira o dia cansativo. A escola
encarregou-se de mudar essa visão. E fez da sexta-feira um dia perdido.
Primeiramente, pela paixão por empurrar recessos para esse
dia. Depois, porque criou na comunidade escolar em geral a ideia de que tudo
que se fizer nesse dia é apenas por exigência do sistema. Então, nos anos 90,
pôs-se a hora-atividade nesse dia, e esta era apenas uma possibilidade de a
escola ser fechada mais cedo, do tipo a
gente já fez tudo que tinha para hoje.
Na hora de fazer horário, os professores não querem
trabalhar na sexta-feira. É comum, então, empurrar-se a disciplina que não
reprova, como Arte ou Inglês, o que significa um convite para a falta sem
prejuízo. Hoje, já é mais complexo fazer isso. Algumas escolas preferem fazer
de conta que é o aluno mesmo que não aparece, sem nenhum aval da instituição. O
que é aparente.
Em 2011, o diretor do Colégio Santa Felicidade me alertou
que sexta era um dia perdido, em que todos podiam descansar. O fato é que a
ausência do aluno gerou transtornos, e a escola viu-se na obrigação de coibir
as faltas. Criou um relatório que o aluno deveria fazer ao final da última
aula, mas que, na prática, representava apenas a possibilidade de se obter nota
pelo cumprimento da frequência, prática corriqueira no sistema público. O
exemplo abaixo reproduz um desses relatórios.
Repare-se que ele não possui os elementos textuais de um
relatório. Não tem os dados obrigatórios, como o que aconteceu, quando, onde,
os objetivos, os meios usados, é apenas um conjunto de cinco a dez linhas que o
aluno escreve e (pasme-se) vale 25% da nota total. Repare-se que a escrita do
aluno de ensino médio faz pensar em frases soltas feitas por alunos em fase de
alfabetização. O relatório vira questionário, como em tudo mais que se usa para
avaliar. Não há profundidade, não há coesão, não há coerência. O modelo crasso
da escola que, segundo o núcleo de educação, achou uma solução para um
problema.
Outros modelos podem parecer surreais. Como o que o Colégio
Padre Gualter Farias Negrão fazia. Foram inúmeros meios. Entre 2005 e 2006, a
ideia era apenas deixar que o aluno não fosse à aula para ir a uma feira de
hortaliças mais dois ou três outros produtos, feita nas noites de sexta. Nada
que pudesse distrair a atenção de jovens, além de uma barraca com bebidas. Ou
um alto-falante tocando música sertaneja. Mas bastava: até o final da década a
existência de tal feira foi pretexto para explicar mesmo ao núcleo de educação
por que não havia aula às sextas. Dizia-se até mesmo que o som vindo da feira
prejudicava a atenção dos alunos.
Aos poucos, a sexta-feira virou uma estratégia de
malandragem. Por exemplo, uma professora assumir uma disciplina à noite e
exigir todas as aulas de uma turma naquele dia, já sabendo que não terá com que
se preocupar. As aulas nesse dia eram um presente a quem se conhecia de longa
data. Ou o motorista do ônibus escolar parar nesse dia, dizendo que merecia uma
noite para ficar em casa.
Lembro em 2010, um grande aluno do período da manhã, para
quem dei aula durante cinco anos, e que passara para noite. Eu o encontrara por
acaso. Ele me dizia, sentado em um banco diante da escola, sobre como seu
rendimento diminuíra à noite. Eu lhe dizia que não voltaria a trabalhar em
período noturno, desde que concluíra as aulas do meu doutorado. Um aluno
dedicado. Quando estudava a oitava série, concluiu o último trimestre com 9,0
de nota, e isso não lhe agradou. Perguntou qual de suas atividades ele poderia
fazer novamente. E eu lhe indiquei o bônus que propusera à turma: o aluno que
quisesse fazer um trabalho sobre obra literária além do obrigatório, a ser
exposto como seminário para toda a turma, ganharia um bônus de 1,0 ponto. Ele
leu uma obra em 3 dias e a expôs. Chegou a 10,0, e era uma cultura comum entre
aqueles alunos da manhã o querer bons resultados. Ele me contou que à noite
nunca lera. Mas lamentou que, todas as sextas, os seus antigos amigos saíam da
aula na hora do intervalo e faziam um happy
hour na casa do diretor que, segundo ele, atraía os alunos até o horário do
transporte escolar. Naqueles dois anos, era comum ficar-se sabendo que um novo
adolescente começara a fumar naquelas noites sem aula. Foi lamentável ver,
durante a festa de dia do estudante em 2010, o diretor entregando tabaco a um
desses alunos. Fotografei a cena, que evito divulgar em respeito à mãe do
aluno, que me disse ser contrária ao vício do filho. Fiz questão de me
certificar de que o tabaco era mesmo para o uso do aluno. Essas facilidades do
período noturno sempre foram e sempre serão uma estratégia para reeleição de
diretores, porque esses alunos votam. Seja na capital ou no interior.
Aquele mesmo aluno, que me relatava estar desenturmado no
período noturno, demonstrava querer aulas durante o período das cinco aulas,
mesmo sendo obrigado a estudar à noite porque trabalhava. A cultura de que todo
aluno de período noturno deseja evadir-se tornou-se uma palavra oficial de toda
escola. Dizer que o aluno não vem à escola é uma praxe criada pela ação de não
coibir a falta, de não se fazer desse dia um dia efetivamente letivo. Fala-se
que a culpa é do aluno. Mas este já sabe, desde que ingressa na instituição,
que ela mantém tal praxe. Vocês não vêm e
a gente não dá nada importante. Daí ao professor já ter reservado mesa nas
pizzarias para a noite de sexta é um passo. Que há muito vem sendo dado. Coisa
de brasileiro simpático e de bem com a vida. Que não perde uma eleição para o
cargo. E que, graças a isso, pode até pleitear outros cargos.
sábado, 22 de setembro de 2012
Briga entre aluno e professor? Conta outra, vai.
Estou pensando no fato noticiado com grande estardalhaço
nesta sexta-feira: uma briga entre professora e aluno, em escola particular.
O contexto muda tudo. Pensa-se que o poder aquisitivo
coloque os professores na condição de servos do aluno, e que este sempre vai
representar uma classe social onde não há delinquentes, ávida por ensino de
qualidade. O poder aquisitivo faria desse aluno um cliente que quer, de fato,
as coisas que uma boa escola pode lhe dar. Ledo engano.
No ano passado, tentei trabalhar em uma escola particular
que insinuava que seus alunos tinham aula de valores. De chofre, me defrontei
com a clientela menos ética da cidade de Curitiba. Valores, só os que eles
tinham nas carteiras. O nível de valores morais estava abaixo até mesmo
daquelas garotas de Cruzmaltina que pulavam o muro da escola à noite e, durante
o período das aulas, faziam streap-tease numa
casa noturna de Borrazópolis, mas que apareciam com nota e frequência no final
do trimestre, sob os auspícios do conselho tutelar e da direção do colégio. Em
um bairro nobre da capital. Havia o pré-adolescente que chegava no carro pink da mãe, e a pedagoga avisava aos
professores que aquela era notória usuária de drogas. Outro vinha na
caminhonete nova compartilhando o tabaco do paizinho, garoto de doze anos.
Poderiam ser apenas crianças, mas todo o seu arsenal era gasto para a troca de
mensagens de caráter erótico através dos aparelhinhos. Usavam capuzes apenas
para escondê-los durante as falas da diretora. Deixavam claro seu vício por
narguilé. As garotas de quinze anos erotizavam os meninos de dez, com carícias
e palavras de sentido sensual, de maneira que os pequenos já não conseguiam
permanecer nas salas de aula. Usavam o contraturno para carícias e palavras. As
de doze iam à escola apenas para manterem contato com os rapazinhos da oitava
série. Usavam a desculpa de passeios no bosque e aulas de leitura apenas para
sumirem entre chorões e moitas de capim. Já era um ritual: escrita de aluno em
fase de alfabetização, mas chegavam a não levar o material em certos dias
apenas para se embrenharem no bosque e lerem seus Harry Potter. Uma delas era filha de uma pedagoga de escola
pública. A notória vocação para a falsificação de atividades, enquanto a garota
apenas passava as manhãs aos seus aparelhinhos conversando com rapazes, deixa
evidente que a mãe é uma pedagoga de escola pública da região de Santa Felicidade.
Uma mãe, professora e pedagoga, vem me perguntar como era a elaboração de um
livro a partir de uma letra de música, que eu tinha pedido a seu filho; a
atividade vem feita com a letra dela, e o aluno, como sempre, acha que pode
terminar até a universidade com a mãezinha fazendo as tarefas. Mais que isto, o
eterno coelho que se tira da cartola ao final de bimestre: uma dança de funk a
partir de uma letra erótica e coreografia injustificável para o espaço escolar
representa 2,0 pontos da nota, tal como no bimestre anterior fora uma festa
junina, e assim ad infinitum. Três
meses e nenhum pagamento. De fato, aquilo era o paraíso para aqueles alunos. Mas
não tem nada a ver com o conceito de schola
que vem desde a Antiguidade e quem tem formação científica aprende a amar. Então,
deixa-se. Não é possível estar-se escrevendo um artigo sobre a retórica de
Aristóteles e trabalhar em um uma escola assim. Eu era o sexto professor da
disciplina no ano.
Essa escola particular não tem como formar um aluno
diferente dos que eu conheci no Colégio Nossa Senhora Aparecida, em Curitiba: o
adolescente que um dia vai manter o filho das pessoas de colégio pago sob a
mira de um revólver, ou possui uma ficha na biblioteca do Farol do Saber da
esquina apenas para pegar os livros emprestados e usá-los para enrolar
baseados. É o mais perto que tais alunos vão chegar da grande literatura. Faz
lembrar aqueles alunos que, em Cruzmaltina, levavam aqueles fabulosos volumes
encadernados dos Irmãos Grimm para os pais enrolarem seus vícios. Em toda
parte, é assim.
Mas o fato em Santos me fez pensar em outro, ocorrido em
2008, no Colégio Padre Gualter Farias Negrão, em Cruzmaltina. Daquela vez, eu
já sabia como a história iria acabar. Ocorreu com uma professora de história,
séria e compenetrada, daquelas professoras que têm um objetivo a atingir, e não
admitem que façam piada da sua aula. Mas o aluno já era um adulto. Fora nosso
aluno em 1996, adolescente, e tinha sido um grave problema. Deixara a escola.
Voltara. Adulto, era funcionário da prefeitura, e isto lhe dava prerrogativas,
como a de fazer o próprio horário ou rir do momento cívico. E de ir à escola
apenas porque a lei exigia o ensino básico para ele poder surfar no serviço
público sob os auspícios de quem exercesse o poder. Liderava um grupo formado por
um rapaz da tropa de choque do narcotráfico na cidade, vítima de abuso sexual e
pouco afeito às regras escolares. O sobrinho de um general do narcotráfico,
outro de seus acólitos, esperou anos por alguém que fizesse a diretora tremer.
Uma senhora de moral não muito ilibada para uma cidade pequena, que era a sua
amante da vez, fazia o jovem se sentir em casa. E havia o rapazinho rico, que
aos dez já circulava de moto na frente da polícia e que daria vinte anos de
vida para ter na testa o rótulo que os colegas ostentavam.
Naquela vez, a briga foi com a professora. Novamente, eles
faziam as regras. Entregaram o que quiseram para ela, sem respeito a
instruções, que reorientou para que fizessem do modo certo. Ridicularizaram-na,
mandaram que ela enfiasse o trabalho lá onde pessoas sem educação e acostumadas
a drogas não têm pudor em dizer. E a deixaram sem ter com quem reclamar: a
pedagoga também era funcionária da prefeitura. Na noite seguinte, o dito aluno
fez uma pilha de carteiras atrás da porta da sala, de modo que caíssem sobre a
professora, assim que ela abrisse a porta para entrar. E quase aconteceu. A
professora teve que ouvir desse aluno o que o rapaz lá de Santos nunca deve ter
falado ou escutado. Sob a admiração dos colegas, que tinham um líder.
Evidentemente, a escola acalmou a professora e fez com que
ela não denunciasse o aluno. O peso da proteção do prefeito pesou mais que
todas as provas. E, como sempre, a professora viu a escola como um espaço
inviolável, onde se constroem conhecimentos e até valores. Pensou decerto que
estava próxima a sua aposentadoria. Mas deixou que a escola tivesse um
precedente na sua história: o aluno era sim inexpugnável, mesmo quando
imputável criminalmente.
Se ela tivesse agido em outro sentido, teria criado talvez
um precedente para ser lembrado, sob o qual colegas pudessem um dia se abrigar.
No ano anterior, eu fora a vítima. Era apenas para fazerem
uma elaboração de numerais por extenso em inglês. Individualmente. Mas o grupo
de colegas fez os mesmos numerais e tentou me convencer de que não houvera
cópia. Como não quiseram refazer, cancelei a atividade. Então o aluno maior,
com um hálito pestilento de cachaça, mesmo sendo motorista, arrolou os seus
acólitos e eles tentaram fazer um abaixo-assinado. Eu mesmo lhes dei o telefone
do núcleo. Passaram dois meses matando aula, jogando baralho, enquanto um terço
da turma assistia às aulas. O núcleo veio para intervir, mas disse que de fato
eu não vira os alunos copiando um do outro. Eu pedi que fizessem um cálculo de
probabilidade para verificarem a possibilidade de cinco alunos elaborarem o
mesmo conjunto de algarismos. Aguentei a ira da diretora, que deu razão aos
alunos, e achava que não se pode recusar nada do que um deles faça, mesmo que
não corresponda ao pedido. A funcionária do núcleo também deixou evidente que
entendia tanto de pedagogia e metodologia de ensino quanto de física quântica
ou sânscrito, outra daquelas pessoas formadas em faculdades de final de semana,
que um dia ficam felizes porque conseguiram derrubar uma deliberação que estabelecia
que 2 + 2 = 4, e veem o fato como progresso.
O que ocorreu em Santos é rotina nas escolas brasileiras.
Não vai mudar. As coisas se tornam piores para o professor e para alguns alunos
que, de fato, querem da escola aquilo que, por princípio, ela deve oferecer. Em
Santos, o fato foi gravado. Sorte de todos. Hoje, gravar as aulas é a única
forma de se desmascarar a indústria do aluno vítima e dos pais que já
sublinharam na lei tudo aquilo que eles podem usar para que seu filho, como os
alunos de Cruzmaltina aqui citados, sejam aprovados. E possam todos correr para
o bar mais próximo comemorar.
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
Quando falsificarem sua assinatura, lembre que foi você que escolheu trabalhar em escola pública
Vêm chegando os dias terríveis. Hoje já vi fotos em rede de
alunos passeando em hotéis-fazenda, aquilo que se torna uma rotina nos últimos
meses. Impede que se dê todo o conteúdo. Faz com que o aluno passe esses meses
em ensaios para apresentações que duram dois ou três minutos. Quando ele vai à
escola.
Faz dois anos que fui a dois conselhos de classe largamente
prejudicados pelo tema: Os professores vão ou não à
carreata do candidato a governador?
O primeiro tinha ocorrido na sexta, no Colégio Padre Gualter
Farias Negrão, em Cruzmaltina. A pedagoga apresentou um papel enviado pelo
núcleo de educação convidando os professores para a carreata do candidato da
situação, que seria lá em Apucarana. Lógico: viagem, combustível, ida,
volta. Tudo isso merecia que se
dispensassem as aulas. Mas os professores preferiram não ir, seria aborrecido
demais. E daria margem a polêmica, pois nem todos aceitariam.
No sábado cedo, a situação se repetiu. Agora em Faxinal, no
Colégio Olavo Bilac. Lá estava o convite. A carreata seria na terça, e o
professor que fosse não levaria falta. A discussão recai sobre a inutilidade de
se fazer algo que não dispense o aluno. Ter que ir a um evento não livraria o
professor das horas que ele passaria ocupado. Então, não era uma proposta
aceitável. A ideia de quem formulou a proposta era fazer mesmo quem fosse
contra aquele candidato acatar a ideia só para ganhar um dia de folga. Não ter
dado certo foi um imenso progresso. Mas, para quê? Aquele colégio tinha sediado
uns jogos durante setembro e nos dias de reposição os seis alunos presentes passaram
a manhã jogando Uno.
Eu tinha tentado informar algum candidato da oposição na
noite anterior daquele abuso de poder. Entrei nos sites, mas não havia espaço
para postar uma cópia daquele documento. Quando saí do conselho, fui a uma loja
procurar um produto. Minutos depois, entrou um candidato a deputado estadual
por um partido de oposição. Expliquei a ele o que tinha acontecido, e ele disse
que tomaria providências. Não deve ter tomado. Fora prefeito de uma cidade
importante e promovera uma revolução na educação, que virara modelo.
Enquanto isso acontecia em Faxinal, no colégio de
Cruzmaltina o diretor e alguns professores protegidos escolhiam uma comissão,
que deveria ser pleiteada entre o corpo docente. Semanas depois, os professores
ficam sabendo que tinham assinado uma ata falsa, sem saber do que se tratava,
na qual apareciam seus nomes como tendo escolhido para a comissão os nomes
preferidos do diretor. Não se dá muita importância ao caso.
No sábado seguinte, os professores precisam comparecer ao
colégio. Um grupo de pessoas do núcleo faz uma reunião. Colocam-se francamente
a favor da atitude do diretor, dizendo que esses ajustes são procedimentos
normais. Citam casos em outras escolas. E dizem que somente ali existe aquele
desconforto. A professora que o diretor escolhera para a comissão vai à frente
e faz um discurso falsamente moralista em favor desses ajustes, que
aconteceriam sem problema em todas as escolas, menos ali, e a tônica recai
sobre a figura da professora que fizera a reclamação, que ainda não havia
chegado. A professora chega, e acusa a chuva forte de ter impedido sua saída do
sítio. Pede a palavra, e esta lhe é negada. Tanto o núcleo quanto a direção
tentam impedir sua fala, mas ela se afirma e faz um discurso pela transparência
nas atitudes. Ela, que exercia o cargo de documentadora, será tirada da função.
O diretor muda de lado político e rompe com ela, que era líder do partido do
governo. Poucas semanas depois, a escola passa a flertar com a prefeitura,
emprestando móveis, mas principalmente combinando dias sem aulas, em que o
transporte escolar não funcionaria. Foram dias e dias com quatro alunos na escola,
jogando tênis de mesa. No domingo houve festa na paróquia, dois dias sem aula;
morreu um morador, dois dias; quinze de novembro, inventa-se um recesso; no dia
da consciência negra, dois dias... O vice-diretor chega ao portão e manda os
alunos que vieram irem embora, a pedagoga os chama de chatos, caxias.
Nenhum problema: como repor tantos dias sem aulas, se as
duas primeiras semanas de dezembro são dedicadas ao rodeio, e o prefeito não
cederia transporte para os alunos nem com decreto presidencial? Simplesmente,
acaba-se de uma vez com essa história de aula, aluno, transporte... Só não se
divulga o resultado final antes da data, que é crime, e o aluno pode recorrer.
Faz-se conselho final no sábado exatamente para que, quando o aluno olhar o
edital na segunda, já expirou o prazo para que ele possa recorrer.
Esses dias estão chegando. E 2012 é ano eleitoral, de novo.
(Antes que me esqueça: Há um mês, uma grande rede de
supermercados paranaense foi condenada por trabalho escravo e por infringir
leis trabalhistas. Na internet, abaixo da notícia, os comentários dos leitores
diziam que os empregados é que eram safados, ninguém os obrigava a trabalhar
lá; se lá não obedeciam leis, que buscassem outro emprego. Eu ouço a mesma
coisa há quase vinte anos. O ensino público não cumpre as leis, vá trabalhar em
outro lugar.)
terça-feira, 18 de setembro de 2012
A voz do aluno: mais atendida que escutada
Rosely
Sayão afirma, no artigo “Escolas surdas”, que as escolas brasileiras não têm
dado voz aos seus alunos.
Mas muitos vão porque percebem,
com clareza ou às vezes só por intuição, que os alunos -seus filhos- podem ter
muito o que dizer na escola, mas dificilmente serão escutados, levados a sério.
E note, caro leitor: eu disse escutados, e não atendidos.
A
psicóloga acredita na voz dos jovens como correspondendo a um franco interesse
em melhorar escola e qualidade de ensino. Essa voz ainda é problemática. Se ela
não se faz ouvir de modo sistematizado, é a intenção do aluno que acaba dando
origem às grandes soluções. Gincanas, prendas, passeios... Faz-se o que, mesmo
sem confessar através de meios oficiais, a voz desse aluno deseja. E ele volta
para sua casa feliz, não sem antes passar na lanchonete e jogar seu fliperama,
ou passar horas jogando truco com os colegas.
Quando o
governo criou a hora-atividade, e ela era uma só, a escola a empurrou para o
último horário de sexta-feira. Se alguém quisesse dispor do horário para alguma
apresentação, uma visita, uma palestra, os alunos iam embora irritados: “É bem
capaz que a gente vai ficar na escola na nossa aula vaga!” O interesse do aluno
estava sendo feito. Quando se quis usar esse horário para aulas de reforço,
ficou claro que o aluno preferia a reprovação a não ir embora. Aliás, a maioria
ficava esperando o transporte, encostada no muro.
Tudo
bem: isto acontecia em uma época em que o aluno chegava à quinta série
escrevendo pisola para “pessoa”, e as
professoras da rede municipal estavam felizes, porque as mais velhas tinham
sido dispensadas (todas) e aquelas que ainda cursavam magistério assumiram.
Quantas vezes eu vi cadernos de alunos de oito, nove anos, e o conteúdo eram as
realizações da administração municipal ou estadual?
Quando
foram criadas as fichas de Correção de Fluxo, em 1998, bastava o aluno
permanecer o tempo suficiente para responder às fichas do dia e ele podia ir
embora, os professores ligarem o aparelho de som alto antes de tomarem seu
lanche e partirem – já não havia ninguém.
O perigo
era tornar as coisas certas demais. Por exemplo, a existência de uma APMF
eleita por maioria absoluta de pais, de presidentes de turma que faziam
abaixo-assinado quando um professor fazia o que aluno relata abaixo em mensagem
virtual:
VIRTUAL v7.0 - 12 de fev - Privado
Para:
XXXXXXXXXX
e ai professor o que vc acha de uma professora que propos um contrato
para nós no primeiro dia de aula com ela o contrato era o seguinte de nós
assinarmos um papel pra ela e ai todos nós seriamos aprovados na matéria dela
sem precisarmos fazer nada e tinha a outra opção que era estudarmos isto é
aceito pela direção da escola .
Talvez a
professora apenas quisesse testar a turma. Suscitar um “Oh! Não! A gente quer
aprender.” Mas existem exemplos conhecidos que não. Em 2007, uma aluna de
sétima série me mostrou um abaixo-assinado, para que eu encaminhasse, contra uma
professora que teria oferecido notas em troca da compra de brindes para uma
promoção realizada por outra escola, a qual ela dirigia. Guardei uma cópia, mas
a escola ignorou o documento. Na verdade, a própria diretora já recorrera ao
expediente em anos anteriores. Imperativo categórico: faça de cada evento, cada
palestra, cada dança, cada gincana, cada batata doada, 0,5 ponto ou mais de
nota, e no final do ano poderá ir para casa mais cedo. Então a escola passa a
ter a figura do típico esperto: ele está matando a aula, jogando três cortes no
pátio, pede um minuto de licença e entrega ao professor um papel carimbado
valendo 0,5 ponto. O professor dizer que não vai aceitar significa comprar uma
briga com direção e pedagogas. Os pais que só vão à escola quando há jantares e
presentes aparecem para reclamar esse 0,5 ponto. “Meu filho já tem 9 desses,
acha que vou perder?” A diretora fala como um vendedor de C&A: “Não, a
senhora tem toda a razão. Eu mesma vou dar essa nota.”
Logicamente,
a primeira atitude dessa diretora é fazer algo parecido com o que Rosely Sayão
diz ocorrer. As turmas param de votar em um representante, que passa a ser
escolhido dentre uma lista. O aluno sem opinião, o que vai às reuniões mas não
diz uma palavra. Aquele que a diretora visita aos sábados com presentes e
promete que vai levar sua irmã para morar com ela. Nenhum perigo de aluno com
poderes. O próximo passo é neutralizar uma provável oposição. Assim, a eleição
para professor representante de turma é cancelada, e este passa a ser opção da
diretora com as pedagogas. Mesmo o Conselho Nacional de Educação incentivando a
prática. A APMF? Fácil: não se divulga muito a eleição. Vão apenas os
interessados. Então o núcleo de educação apoia a eleição, baseada na ideia de
que ninguém se interessa, e os presentes na reunião viram heróis. Já vi
diretoras venderem coleções de livros didáticos para comprarem badulaques como
um letreiro iluminado com o nome da escola, com aplauso de APMF. Mas é comum
que o cara forte da APMF finalmente possa rebocar aquele muro que está
enfeiando sua casa.
No mais,
por que se dar voz ao aluno, se ele falará futilidades? Como diz Sayão, para
quê? Na verdade, ele já está feliz. Em 2006, minha diretora pediu as notas
finais e definitivas para o dia 20 de novembro. E fez disto uma alegria geral.
Era possível vê-la dizendo às crianças no pátio, que jogavam três cortes e
diziam estar cansadas de aula, que ela já iria acabar com as aulas, e só quem
devesse nota ficaria até 20 de dezembro. Quando o professor dizia, em sala de
aula, que as aulas iriam até dezembro, o aluno respondia de forma peremptória:
“Quem manda é a diretora e ela disse que até dia 3 todo mundo estará de
férias.”
Chegava
dia 3, e não havia alunos. Aos que vinham, a pedagoga ameaçava do portão: “Se
vocês ficarem aí, a gente vai ter que dar que dar aula. Por que vocês vieram?”
Então, eles diziam que tinham vindo para assistir às minhas aulas, e a gente
ficava assim. No segundo dia, escondiam-se chaves. E a gente estudava sentados
na arquibancada da quadra. Os alunos vinham, e já estavam aprovados há muito.
Era a cultura do gosto pelos projetos em andamento e a vontade de ver os
assuntos até o fim. Alunos que depois ganharam bolsas em faculdades. Grandes
leitores. E eles traziam os que precisavam de nota, que chegavam a ela sem
precisar de conselhos de classe. Os piores, os que passavam o ano lutando para
não ler, não escrever, não falar em público, esses não vinham. Era comum que
entrassem com processos quando reprovavam. Já era previsível: em fevereiro,
março, esses alunos já falavam que não poderiam reprovar, que eles estavam sob
proteção, e não iriam fazer tarefas. Tenho aqui comigo uma gravação feita por
um aluno chamado R., em que ele relata que a mãe recebeu oferta por uma
aprovação sem os percalços do ano letivo.
Lembro o
mês de novembro de 2008. Eu tinha duas aulas de português com a oitava série,
uma das melhores turmas possíveis, mas onde havia duas alunas, da comissão de
formatura, usando a condição para não terem que comparecer às aulas. Aos
poucos, elas estenderam esse poder à sala toda. Em uma sexta de outubro, a
diretora os colocou em um ônibus e levou a uma semana cultural em uma escola
pequena de outra cidade. Lá, essas garotas provocaram uma imensa briga, e foi
preciso sair da semana cultural e fazer o que elas queriam: uma lanchonete,
refrigerantes, e alguns rapazes para anotarem seus celulares. Na semana
seguinte, chovia havia dias. Era uma quinta, eu não tinha aula com a turma. Mas
a escola levou todos os alunos a um parque aquático. Era insuportável o frio.
Na volta, havia um acidente sério na estrada, com morte, mas os alunos estavam
com a voz mais ativa com a qual sonhavam: estavam terminando o ano letivo fora
da escola.Na semana seguinte, jogos interclasses; uma mãe foi reclamar da falta
de aula, mas foi reputada apenas como encrenqueira Na semana seguinte, sexta,
fizeram outra excursão, outro parque aquático, desta vez caro e distante. A
presidente da comissão de formatura era a pessoa que mais devia notas, graças a
tantas ausências. Como em todas as escolas, era parente de funcionário. Ela
deveria ficar, mas chorou convulsivamente. A diretora prometeu aos professores
que ela própria cuidaria para que a aluna entregasse as atividades que devia.
Mas, na segunda, primeiro dia de dezembro, já não havia alunos.
A
pedagoga se irritou com a cobrança da promessa, dizendo que os alunos não
viriam. Havia ali dois alunos da turma. Um deles pegou o celular, e outro usou
o telefone da papelaria em frente à escola. Eram quase oito da manhã. Às oito e
meia, havia 26 alunos dos 32 da turma. Estudaram, capricharam, apresentaram os
livros lidos, terminaram um projeto. Dois colegas professores aproveitaram e
foram ao Paraguai, outra foi comprar um carro no interior de São Paulo. Mas,
para o núcleo de educação, o fato de as aulas se encerrarem antes teria, porque
teria, que ser atribuída à ausência de alunos.
Para a
maioria dos alunos, a voz que eles queriam era aquela interior: alguém que
fizesse as aulas acabarem 20 dias, um mês antes, que transformasse novembro em
jogos e passeios, e que fizesse de aproveitamento algo acessório. Mais que
isto, que garantisse o recurso de recorrer ao núcleo caso o conselho final
reprovasse alguém. Diretores que leiam o pensamento, que se sintam como alunos
ávidos para saírem da escola e sentarem na lanchonete, tudo isto tem composto a
escola brasileira. Já vi o mesmo ocorrer em tantas cidades. Já era assim quando
estudava e ano letivo acabava depois de finados. Fingir que as semanas finais
serão dedicadas à recuperação, àquela que a lei diz que só pode ocorrer em
contraturno ou fora dos 200 dias letivos, e passar esses dias... Deixa pra lá.
Se os
finais de ano não forem assim, os alunos usam suas vozes e derrubam o diretor.
Para que serve o uniforme? E quem acredita que nessas coisas não há nenhuma participação de diretores de escolas?
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Londrina
Prefeito e empresários são denunciados
O prefeito de Londrina, José Joaquim Ribeiro (sem partido), o ex-prefeito Homero Barbosa Neto (PDT), cassado em julho, seis agentes públicos e um grupo de empresários foram denunciados ontem sob acusação de superfaturamento na compra de uniformes escolares. Segundo a Promotoria, R$ 3,8 milhões foram pagos de forma indevida às empresas fornecedoras e os empresários deram R$ 540 mil como propina.Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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segunda-feira, 17 de setembro de 2012
Piada: o prefeito diz que o ensino é ótimo
O prefeito de Curitiba disse, no programa eleitoral de hoje
pela televisão, que a cidade tem a melhor educação do país. Se ele se refere
apenas à rede municipal, alguém precisa dizer-lhe que, para quem atua na rede
estadual, o insucesso daquela é a causa de os alunos chegarem analfabetos à
quinta série. Mesmo quando isto é mentira.
Em todo lugar do estado, tem-se como uma verdade demonstrada
que o ensino público estadual tenta resolver as falhas deixadas pelas redes municipais.
Mas basta olhar para as estatísticas, como as que existem no site Todos Pela
Educação, e o que se constata é que o aluno vem tendo uma base melhor, e as
coisas desandam na segunda fase do ensino fundamental. Não são boas essas
escolas municipais. Ainda há mais crenças pessoais de professoras que estudaram
apenas o magistério que o conhecimento pedagógico. Há mais Fausto Silva que Pestalozzi
ou Montessori. E a professorada vai morrer dizendo que a vida na escola é mais importante
que qualquer preparo acadêmico. Que saber como funciona a cabeça do aluno é
besteira.
O número de alunos que acompanha o conteúdo de sua série, no
país, é pouco maior que 25% na escola estadual; na municipal, aumenta um pouco,
mas nada que chegue a representar sucesso. Evidentemente, há mentiras nesses
números. Basta ver a última Prova Brasil. Ali só existem paráfrases do que está
dito na superfície de textos. E os gêneros escolhidos não são nem um pouco
complexos. O que se faz é dizer o que o que texto coloca no nível da superfície
explícita com outras palavras. E isto é chamado de tema, ou de argumento, mas
sempre é paráfrase. Raramente se chega ao nível das inferências ou da
extrapolação. Ou elas ficam em um nível cognitivo muito abaixo do que se espera
para a idade do aluno que faz a Prova Brasil. Quem leu Dascal sabe do que estou
falando.
Mas a Prova Brasil joga para o alto o resultado exatamente
daquele aluno que vai acabar a primeira fase, ou o ensino fundamental todo, sem
saber ler. Afinal, o que ele lê é paráfrase. O que o aluno faz na sua vida
escolar também é: Professora, é para
responder com as minhas palavras? Professora, é para responder só o que está no
texto?
Fica difícil dizer a um político que olhe onde estão as
mentiras da rede escolar que ele administra. Mas quem atua com alunos desde
1984 consegue perceber as mentiras. E as verdades. Muitas vezes a verdade vira
estatística porque o caminho para se chegar a ela é a estrada de tijolos
amarelos, mas não a floresta onde impera a bruxa.
domingo, 16 de setembro de 2012
Paranoia ou mistificação: o Colégio Santa Felicidade ignora as diretrizes sobre avaliação e defeca sobre os conteúdos oficiais
O que as escolas curitibanas vêm fazendo com tudo que se
falou sobre avaliação nas últimas décadas?
Existem pessoas que fazem da sua atuação científica um
pressuposto de vida. Para elas, os exemplos curitibanos que eu vou colocar aqui
são uma afronta. É uma atitude de deboche para com o conhecimento científico,
da mesma forma que diretores e funcionários do núcleo de educação ridicularizam
desde o capítulo V da Constituição até o conhecimento que resulta das
principais pesquisas feitas nas últimas décadas. Essa gente ridiculariza Vygotsky
ou Wallon, como ignora Winnicott e ri de todo conhecimento científico
desenvolvido fora da educação, mas que a escola deveria transmitir. Assim, quem
está na universidade, nos centros de pesquisa, e acredita na ciência como
suporte para ações que não visem apenas aos votos em candidatos profissionais à
direção ou a cargos políticos, vê essas avaliações como uma vingança de gente que
não pesquisa, não conhece teoria científica, odeia as propostas curriculares
sérias, mas que está lá, sentada em sua cadeira, sem importarem os meios usados
para chegar até lá.
Por exemplo, aqui abaixo seguem diversas atividades feitas por
alunos do Colégio Estadual Santa Felicidade. Pode parecer piada, mas são
atividades que representam a nota e o meio de se verificar se o aluno atingiu
os objetivos pelos quais o contribuinte paga os salários do diretor, das
pedagogas e dos professores. Em alguns casos, é a única nota, mesmo as Leis de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional proibindo.
Veja-se a atividade abaixo. Feita por aluno de ensino médio.
Quem a olha não consegue perceber um único objetivo científico para alguém
gastar tempo com isto. Mas o objetivo está presente em todas as escolas em que
funciona ensino noturno: entregar algo que segure a nota sem aprendizagem, mas
principalmente permita que alunos e professores possam sair da aula antes da
hora.
E essas palavras riscadas em um papel são uma avaliação para
essas pessoas:
Repare a atividade. Ele não reconhece os tempos verbais. Não
aqueles bem específicos, como imperfeito ou perfeito, mas o simples
reconhecimento de que escreveu uma oração no passado e não no presente. Um
aluno nulo, sem nenhuma informação que o habilite a frequentar uma
universidade. E que escola empurra, sem que habilidades integrem suas
preocupações. Não reconhecer tempos verbais no terceiro ano do ensino médio é
um problema cognitivo, mas o aluno acha que isto pode ser resolvido
escrevendo-se o que ele quer com giz de outra cor, coisas do tipo que levam o
aluno a ações mecânicas. No caso, o aluno veio à escola uma semana depois de os
demais terem participado de uma tosca e antipedagógica semana de provas. Feita em 2011, por falsos educadores. Essa atividade absurda
corresponde, para eles, a uma avaliação, mesmo um teórico como Júlio Furtado (para
não falar em Freire, Gadotti, Antunes) dizendo que não:
A avaliação que só
constata (e que, na essência, não é avaliação, mas apenas “exame”) é fruto de
uma pedagogia comprometida com a consolidação de uma sociedade burguesa, em que
operações como constatar, classificar e excluir são processos vitais para
garantir a permanência dessa mesma sociedade. [...] A simples constatação (que
insistimos em chamar de avaliação) é uma situação estanque, na qual o aluno
“interrompe” seu processo de aprendizagem para mostrar o que aprendeu. É
pontual. Apenas uma fotografia do que se sabe no momento, sem nenhum
compromisso com o processo que gera a aprendizagem. Passado e futuro são
ignorados nessa situação. O que vale é o presente, “formatado” para constatar o
que se sabe aqui-e-agora. A cena de um aluno que, dez segundos depois de
entregar a prova, sem ter saído ainda da sala, diz ao professor: “Puxa, acabei
de perceber que fiz bobagem numa questão, posso revê-la?”, seguida da resposta
que ele quase certamente receberá de pelo menos noventa por cento dos
professores exemplifica muito bem o caráter estanque da constatação. [...]
Desse modo, a avaliação que só constata é excludente, pois não assume nenhum
compromisso com o “vir-a-saber” do aluno. [...] A real avaliação não é uma
fotografia, é um filme. Leva em conta o passado, o presente e o futuro. [...] A
avaliação que apenas constata não é somente “herança de uma guerra santa”; é
também um mecanismo de manutenção social que em muito serve à sociedade “neo-burguesa”
em que vivemos. Quebrar a lógica da avaliação é quebrar a lógica social, o que
exige um alto nível de comprometimento social do professor.
O que Celso Vasconcellos escreve também é algo sabido (menos
nessas escolas; menos dos funcionários pagos para levarem essas coisas a sério):
No
enfrentamento da distorção do processo de avaliação de ensino-aprendizagem,
temos apontado a necessidade de superação da avaliação tipo “prova”. Queremos
deixar claro que estamos nos referindo à prova entre aspas, qual seja,
àqueles “momentos especiais”, com rituais especiais, dificuldades especiais,
etc., que representam uma verdadeira descontinuidade na prática pedagógica, e
não às atividades – escritas, inclusive – que o professor utiliza no cotidiano
da sala de aula para coletar informações sobre a aprendizagem dos alunos. [...]
A avaliação deixa de ser considerada como uma dimensão da aprendizagem,
para ser apenas a com-“prova”-ação do
que o aluno sabe.
Na prática, quais os motivos que levam o professor a usar a “prova”? É
mais cômodo (permite um tempo para “respirar”, corrige tudo de uma vez, etc.);
o docente tem a visão de que “sempre foi assim”, não percebe a necessidade de
mudar; não sabe fazer diferente; sente-se seguro assim, já que há uma
legitimação social para este tipo de prática (especialmente em termos de
preparação para os exames); existe a possibilidade de usá-la como ameaça para o
aluno (forma de controle de comportamento); e localiza o problema no aluno, não
se questionando o processo. (Grifos do autor.)
Repare que Furtado fala exatamente daquele modelo de falsa
avaliação chamada “prova”, que é feita a partir de rituais que não têm nada a
ver com o processo de aprendizagem. E Vasconcellos, dos vergonhosos rituais que
os professores tentam trazer da sua escola, como se ela tivesse sido ótima. No
caso específico do Colégio Santa Felicidade, essa prova é um imbróglio criado por professores que
acreditam terem estudado numa escola perfeita. Ela nem é feita pelo professor
da disciplina, que acompanha o aluno, mas por uma ou duas pedagogas que jamais
leram a proposta curricular do estado. Se leram, não compreenderam. Nem acham “legal”
compreender, pois o aluno estaria obrigado a mostrar habilidades e
conhecimentos, e isto a escola não quer, nem os pais, nem a APMF, e o diretor
quer notas azuis. Mesmo que o aluno passe o bimestre colorindo sacis e cucas. E
eles colorem. Para saírem mais cedo. Vasconcellos fala sobre o “sempre foi
assim”, raciocínio generalizado entre as funcionárias dos setores do núcleo,
que querem que esses rituais sejam repetidos e resultem em aulinhas para amigas
que, como elas, não têm um deputado que as encaixe em cargos públicos sem que
cumpram as obrigações que o Conselho Nacional de Educação estabelece para elas.
O aluno das orações acima, que já deveria saber escrever
textos sérios em inglês, entrou na sala depois de metade da aula transcorrida.
Onde ele estava? Os alunos do referido colégio fumam no corredor. Tabaco. E
outras coisas no banheiro, que os fazem passar aulas debruçados nas carteiras. Com
os coleguinhas alertando: Mexer com eles é perigoso! Na semana de provas, que a
pedagoga elaborou a partir de seus livros lá da década de 80, ele faltou.
Afinal, a escola dá uma prova de recuperação valendo toda a nota do bimestre. A
LDB deixa claro que isto não pode ocorrer. Mas o que é a LDB em Curitiba? O que
coloca diretores de escolas nas suas cadeiras é o apoio a ações como o tabaco
entre alunos que votam. Garantir a liberdade de uso de tabaco (e ignorar o que
se faz no banheiro) é uma garantia de se terem votos.
A folha abaixo é a reprodução da recuperação de tal aluno.
Dez X feitos em uma folha. Nada que corresponda à série. Nada que corresponda à
idade. Nada que corresponda às diretrizes nacionais. Nada que corresponda às
diretrizes do estado. idêntica à prova original, que o aluno nem veio fazer, pois se fizesse precisaria de outras atividades e de comparecer a outras aulas. Veja-se:
Comparem-se os tópicos da “avaliação” feita pelo aluno com o da proposta curricular oficial do estado. Não restou nada. Olhe-se o que é para ser avaliado. Não restou nada. E a proposta oficial deixa claro:
Nesse quadro, os
conteúdos básicos estão apresentados por série e devem ser tomados como ponto
de partida para a organização da proposta pedagógica curricular das escolas. (...)
Por serem conhecimentos fundamentais para a série, não podem ser suprimidos nem
reduzidos, porém, o professor poderá acrescentar outros conteúdos básicos na
proposta pedagógica, de modo a enriquecer o trabalho de sua disciplina naquilo
que a constitui como conhecimento especializado e sistematizado
Acrescentar conteúdos? Ou seja, não cabe ao professor
excluir os conteúdos da tabela, em nome de uma pretensa natureza local, de uma
cultura específica. O que o professor pode é ultrapassar esses conteúdos. São
esses conteúdos que garantem ao aluno os conteúdos básicos, não importa aonde
ele vá. Mas, imagine-se dar ao aluno esse direito!
Por falar nisso, aqui estão eles:
Conteúdos básicos Encaminhamentos teórico- Avaliação
metodológicos
|
|
|
Os conteúdos básicos oficiais para o terceiro ano do ensino
médio. Ou seja, a etapa final, quando os conhecimentos não estão em início, mas
em finalização. Jogados fora. Uma funcionária do setor Santa Felicidade chegou
a dizer que esses conteúdos são apenas uma sugestão. Ela não percebe o absurdo
da proposta curricular da escola sob sua supervisão. Super. E o diretor dizia
que a estratégia confirmada por toda a literatura científica como inócua e
prejudicial, e proibida em 2008 na maioria dos núcleos de educação do estado,
estava dando ótimos resultados em seu colégio. O resultado está nos
caça-palavras, nas provas como a do aluno acima. Ele obteve 9,0 pontos tendo
feito apenas essa loucura. Ótimo resultado: a escola merece medalhas. Quem sabe
o que é IDEB sabe o quanto o número de aprovados em terceira série pesa no
índice da escola. Nas ninguém olha se apenas 3 alunos fazem ENEM, e se os
conteúdos são crias molhadas da placenta de professores sem conhecimento.
Repare que nenhum dos conteúdos presentes na proposta
oficial consta da prova feita pelo aluno. Repare que nenhuma das práticas
(oralidade, escrita e leitura) está lá. O que está ali é exatamente o que os
currículos dizem para não se fazer. Mais que currículos: o que os profissionais
da universidade condenam. Repare agora o currículo do Colégio Santa Felicidade:
Pode parecer piada. É trágico, porque atropela o
conhecimento científico sobre a disciplina, atropela o processo de aprendizagem
do aluno. É ridículo, sim. Merecia uma sátira em algum programa humorístico: a
pedagoga que penteia os cabelos longos e loiros enquanto elabora provas
copiadas de livros didáticos condenados pelo MEC e pela SEED. Mas o resultado
será sempre o aluno vitimado em sua própria capacidade. O aluno que aprende
inglês em escola paga, e que vira um perfeito-idiota nas mãos de quem recebe
para levá-lo ao conhecimento. Conhecimento que a pedagoga não possui. Nem os
professores da disciplina do referido colégio. Novamente, chegam até lá sem
terem sequer lido as diretrizes curriculares. Como disse uma aluna do ensino
médio do referido colégio: a única coisa que ela aprendeu naquele colégio, na
sexta série, foi a fumar. A aluna é a imagem que sintetiza tudo que os profissionais
daquele colégio fizeram com a informação responsável. Um barato! Este se transforma
em baforadas tomadas de vez em quando. E que fazem imenso mal. Mas que têm
sustentado legiões de perfeitos-idiotas em suas caminhonetes de cabine dupla. E
o aluno que só vai se preocupar com habilidades e conhecimentos quando se
matricular em um curso pago faz um gesto obsceno diante da escola: Desta eu me
livrei!
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