As fotos acima são da parte
externa de uma escola.
A Escola Estadual José Ferreira
Diniz fica em Dinizópolis, um distrito do município de Cruzmaltina, interior do
Paraná. O “Diniz” do nome da escola não foi parar ali por acaso. Além de
figurar no nome do pequeno distrito, aparece nos nomes de todas as poucas ruas.
Só que, além de um nome dado a um
fundador, o mesmo espaço abriga a escola municipal, cujo nome já não pode ser
motivo de cerimônias cívicas... Emílio Garastazu Médici, que faz pensar no modo
como a educação sempre foi vista por ditadores ou por políticos filhos da
ditadura.
O espaço de poucas salas sempre
motivo para rivalidades. Assim, já houve épocas em que a direção de ambas cabia
a uma única pessoa, momentos em que não se votava para diretor, e o escolhido
era alguém que agitara bandeiras na eleição do prefeito. Pode parecer uma
obviedade, mas eram os momentos em que havia uma linha que ligava o aluno de
pré-escola ao de oitava série. Uma preocupação com aprendizagem, que fazia com
que professores do estado se sentassem no mesmo conselho com professores do
município, e apontassem providências pedagógicas a serem tomadas desde o
início. Pode novamente parecer óbvio, mas nem sempre a pessoa escolhida pelas
ligações com a prefeitura trabalhava pela escola. Isso levou tanto ao
afastamento de uma diretora envolvida com desvios de recursos financeiros, como
à escolha de uma outra que vinha de um cargo executivo em uma administração
municipal acusada... de que poderia ser?
Na maior parte das vezes, a
escola vivenciava os conflitos entre estado e município. O aluno, que vinha da
escola municipal, que funcionava no mesmo prédio e no mesmo horário, convivia
com o discurso dos professores da escola estadual contra a outra. Havia uma
interdição velada impedindo que esses alunos fossem gentis com as antigas
professoras e vizinhas na frente de certas pessoas do estado. O que fazia com
que sempre pairava no ar a antipatia dos professores que vinham de uma cidade a
trinta quilômetros dali contra as pessoas que moravam no lugar. Estas eram
vistas como politiqueiras e nem um pouco politizadas. Era um objetivo politizar
os filhos, já que os pais dependiam de bolsas e concessões públicas. Os
professores do estado, sindicalizados, de esquerda, sonhavam com a saída da
escola municipal de seu espaço. Afinal, graças à separação entre salas de aula,
bibliotecas, secretarias, sala de vídeo, às vezes cortados por rústicas paredes
improvisadas, os espaços acumulavam funções. A biblioteca era sala de
professores, no estado; uma sala acumulava as funções de direção, secretaria,
biblioteca e sala de reforços, no município. Espaços comuns, como banheiros,
refeitórios e cozinha, estavam sempre envolvidos em querelas sobre objetos que
sumiam, que eram usados sem autorização, ou que simplesmente não eram
emprestados por razões políticas.
A situação tinha sido a mesma na
cidade-sede, até que o primeiro prefeito do lugar construiu a escola municipal.
Na cidade-sede, evidentemente. Há quinze quilômetros do distrito de
Dinizópolis. A possibilidade de transportar os alunos do distrito para a cidade
sempre esbarrou na resistência de uma comunidade que tinha sua escola há
décadas, desde a época em que no Paraná só havia cafezais e estradas de terra.
Um desses cafezais resiste ao lado da escola, e a rua que passa em frente já
foi um dia a rodovia. O que a comunidade nunca percebeu é que não existe “a
escola”, mas duas escolas em atrito.
Uma situação que vinha, a cada
ano, tornando mais problemático o desempenho dos alunos. Em 2000, a única turma
de quinta série teve quase 75% dos alunos reprovados. E a culpa era, para o
conselho de classe, da incompetência da escola municipal. A entrada de um novo
prefeito trouxe consigo a medida que a população de Cruzmaltina vinha esperando
para a solução de seu maior problema: a falta de um espaço próprio para a
realização de rodeios. O sonho realizado de ser capital do rodeio foi alardeado
durante anos na imprensa regional, mesmo que as cidades vizinhas vissem apenas
com deboche um município sem hospital, dentista, rodoviária, ou até mesmo uma biblioteca
pública, se intitulando capital de coisa alguma. Não ficou nisso: uma capital
precisa investir, e a cidade construiu um parque próprio para fazer seus
rodeios, com banheiros, barracas fixas, mesmo que fosse para ser usado apenas
três dias no ano. E construiu mais pistas, para competições de laço. Colocou
uma escultura em madeira no trevo que, depredada, foi trocada por outras duas.
Não era possível, diante do contentamento da população, gastar o dinheiro
público com escolas. Por que uma cidade construiria bibliotecas públicas, se os
livros das bibliotecas das escolas costumam ser emprestados para que os pais
dos alunos transformem em cigarros? Foi o destino da coleção dos Irmãos Grimm, ilustrada
por Doré; ou de clássicos, como os autores românticos brasileiros. Seria perda
de dinheiro, e a população preferia este investido em bois e cavalos de
madeira. Tanto que, encerrada a gestão do prefeito, a ordem era juntar as
escolas municipais em uma única, e enxugar despesas. Não havia verbas nem para
rodeios nem para pagar professores.
Mas a Escola Estadual José
Ferreira Diniz parece exemplo de resistência. Em 2001, quase foi fechada,
porque o desejo da diretora era não ter que viajar trinta quilômetros, da
cidade vizinha, ela e outros professores. Os alunos, esses sim poderiam ser
levados até a cidade-sede. Afinal, aluno passa, e professor é para sempre.
Resistiu a ter poucos alunos, quando o governo fechou seu período noturno. Não
possui quadra de esportes. Afinal, ninguém pode gastar verba pública com isso.
A imagem da terra levada pela enxurrada, ao lado de seu muro, é exemplar dessa
visão. A terra pode ser levada pela chuva, mas não pode ser comprada pelo
estado ou pelo município e virar uma quadra. Essa terra vai parar em uma imensa
erosão, localizada na parte de trás da escola. Em uma das fotos, vê-se que foi
colocado um monte de entulho segurando o muro, onde certamente a erosão já
vinha atingindo. Aliás, ali há um esgoto que escoa água das chuvas. Na lateral,
a parte do reboco que está caída era uma “barriga” que o muro fazia, já em
direção à queda. Foi reposto no lugar.
Percebe-se, mesmo nessa foto da
lateral, uma pintura nova no prédio. De fato, as escolas do interior têm sido
reformadas, têm carteiras novas, equipamentos. O governo do estado faz isso. É uma
garantia que certos políticos têm, como os dessa cidade, de não precisarem usar
o dinheiro público do município com obras para educação. Se o governo reforma
uma escola, o município engaveta todos os seus projetos de um dia construir uma
escola com salas de reforço, biblioteca, vídeo, informática, para os alunos das
séries iniciais. É um alívio para a comunidade, que pode ficar comentando nos
bares quem será a dupla sertaneja convidada para cantar no próximo rodeio.
Como sempre, a escola pode ser
escorada com entulhos. Todos os tipos de entulho, que vão do professor que trabalha
há trinta anos sem passar em concurso, e já não consegue aulas em outros
locais, à Rural da década de sessenta, que transporta alunos, juntamente com a
caminhonete com carroceria para bois, onde os alunos se agarram. Afinal, está
funcionando, não está? Tudo que uma população assim quer da escola é que ela
não mude seus filhos, não os faça gostar de leitura, que continuem levando
livros na bolsa para o pai fumar. E que prefiram um prefeito que faça rodeios a
um outro que construa escolas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.