Há pouco, conversava com um
aluno do Colégio Estadual Isidoro Cerávolo, de Apucarana, cidade que é sede de núcleo
de educação no norte do Paraná. Tal colégio fica próximo do prédio do núcleo, e
tem certa reputação por estar em bairro central. Usado pelo núcleo em cursos de
capacitação e eventos. É fácil imaginar que exista um certo olhar diferenciado
para o que acontece ali.
O aluno conhece um pouco das
normas da educação. Filho de professor, sobrinho de dois diretores e de uma
série de professores, deve ter passado muito tempo em reuniões familiares em
que se falava sobre escola. Por isso, possui uma visão mais crítica que outros
alunos a respeito das mazelas da educação.
O rapaz se mostrava indignado com o fato de alguns professores de seu
colégio terem tentado impugnar o concurso público feito pelo governo, por não
conhecerem os conteúdos das questões. Ele me contou que já passou por
professores de literatura que nunca tinham ouvido falar em Inocência, do Visconde de Taunay, ou que não sabiam quem era
Bernardo Guimarães. Esse nível de desconhecimento do próprio objeto de trabalho
é sintomático: o professor internalizou um conceito elevado de leitura, e deve passar
horas falando sobre as vantagens de quem lê. Mas ele não lê. Ou lê. Mas é como
o comentário que vi ontem feito por um professor em rede social, em que ele
dizia que Augusto Cury era o maior escritor que ele já tinha conhecido. Essa
mentalidade que vê na leitura algo automático, como quem entra na chuva
inevitavelmente se molha, faz com que esse professor leia textos que ele julga
possuírem um efeito pragmático em sua vida. Diante disso, Machado ou Rosa,
autores que caíram no concurso, são coisa de desocupado. O professor sabe quem
são Bentinho ou Capitu, mas não faz a menor ideia do que esteja no conto “Teoria
do medalhão”, ou em que este se parece com Quincas
Borba. Saber, então, de que trata o conto “O burrinho pedrês”, com que Rosa
inicia Sagarana, é um abuso que o
sindicato vai procurar coibir, certamente dizendo que o professor não tem tempo
para ler. Falar-se, portanto, em uma cultura humanista, que inclua arte e
filosofia, é um estágio a que os educadores brasileiros jamais irão chegar.
O aluno se mostrava admirado porque, mesmo ele, sabe que existem livros como
Inocência ou A escrava Isaura, já deve tê-los folheado em alguma biblioteca. Mas
o professor, não.
Contou-me sobre o sistema de avaliação de tal colégio, que fere as Leis
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Um sistema em que, evidentemente, uma
prova trimestral ganha foros de salvação para o aluno, e possibilita ao
professor não ter que acompanhar o processo de aprendizagem do aluno. Essa
prova é um dos três tipos de avaliação, tal como as deliberações estaduais
determinam. Mas, eles dão a ela o valor 10,0 e juntam a dois outros modelos que
valem 5,0 cada um. Então, divide-se por 2. O artigo 24 das LDBEN não permite
que uma atividade pontual, como prova, valha a metade da nota. Os professores
do Colégio Isodoro Cerávolo descobriram uma forma de burlar a lei e de, ao
mesmo tempo, dizer ao núcleo que seguem o preceito das três formas de avaliação
previstas. Mas, o peso dessa prova é de 50% da nota. E o núcleo diz que está
tudo certo. O colégio está a poucas quadras de onde eles trabalham, muitos funcionários
até devem dar aulas lá. Mas, como disse o rapaz, os professores gostam desse
sistema, e os alunos também. Evidentemente, ele é feito para que se goste, mas
não para que se atente para todo o conhecimento científico sobre avaliação.
Possibilita que o professor dê uma única recuperação, a da prova, mesmo as leis
federais e estaduais determinando que a recuperação deve incidir sobre todas as
atividades feitas pelo aluno. Uma única vez, provavelmente uma paráfrase da
prova original, se não for a mesma. Uma ação digna e típica de professor que
procura cancelar concurso porque não sabe quem escreveu Inocência. Imaginar que ele saiba quem são Wallon ou Perrenoud, já
seria supor um ensino finlandês nas terras vermelhas de Apucarana. Afinal, a
maior contribuição dessa cidade para a educação brasileira foi a lei que torna
obrigatório o uso de boné como parte do uniforme.
Quando é possível que uma escola burle as leis a poucas quadras de um
núcleo que se autodefine como exigente quanto à legislação, torna-se piada
questionar por que, em Curitiba, não há escolas públicas que sigam a legislação
em vigor. Se ocorre no Paraná, imagine-se nos estados cujas capitais estão
afastadas das cidades do interior...
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