Existe o fracasso da educação pública, e existem causas.

O fracasso da educação pública é algo assimilado pela opinião pública brasileira. É como falar sobre a corrupção na política. Admite-se, mas não se enxergam causas nem soluções. É mais um mal da sociedade brasileira que, grosso modo, nem adiantaria trazer para a discussão. Poderia ser mais um tema para humorísticos e discursos de palanque, mas o brasileiro não quer se envolver no problema. Rende reportagens na televisão, denúncias na imprensa, mas não é algo que tire o sono daquele que frequenta uma escola ou manda seu filho passar horas diárias em uma delas. Nada além de mais uma fraqueza do país.
Existe uma vasta bibliografia sobre o fracasso da escola pública. Mas que é feita para educadores preocupados com currículos e metodologias. Na verdade, é um diálogo que se efetiva apenas no meio acadêmico. E que acaba influenciando decisões políticas. Estatísticas, avaliações institucionais. No entanto, quem trabalha ou trabalhou na escola pública e, além disso, estudou nela, sabe que as causas de seu fracasso se evidenciam nas ações cotidianas ali praticadas. Há inúmeros culpados. Diretores, professores, alunos, pais, pedagogos, burocratas.
Existe uma máscara encobrindo as causas desse fracasso. E que encobre soluções que ultrapassem os âmbitos curricular e metodológico, com todos os recursos físicos que estes envolvem. A máscara cria falsos mitos para encobrir os verdadeiros culpados. Ela erige falsos mártires. Transforma em vítimas aqueles que são imediatamente culpados pelas ações que levam ao fracasso. E que insistem nessas ações.
Não há dúvida: as causas são muitas. Vão desde a aula mal dada à aula nunca dada. Entre uma e outra, a máscara é construída por todos que estão envolvidos no processo educacional. E atrás dela existe um mundo inacreditável, que a imprensa não denuncia, que o acadêmico não coloca em suas pesquisas, que a autoridade finge não perceber, e que existe porque inúmeras pessoas ganham com esse fracasso. E são ganhos de inúmeros tipos.
Por que não falar sobre isso? Mas falar do ponto de vista de alguém que presenciou cada uma das causas desse fracasso aqui apontadas. Desde a vida como aluno até o trabalho como professor e pesquisador. Alguém que estranhou a probição que recai sobre essa discussão. E que passou a ver a própria discussão oficial sobre o assunto como uma máscara. Dizer que a escola ganhou um computador ou que não o possui é só uma forma de não se dizer que o instrumento vai ser usado para burlar o processo pedagógico. Mas, quem o disser estará fora da dança de quadrilha que é o debate sobre educação, não formará um trenzinho nem girará no círculo daqueles que se envolvem no assunto.
É preciso ter a coragem de dizer: na educação pública acontece isso, acontece aquilo, e tudo isso gera o inevitável: o fracasso. Que nenhum dos programas oficiais voltados para a melhoria do ensino público vai conseguir vencer. Tal como a escola pública acontece hoje, ela só poderá acabar em falência completa.

domingo, 9 de junho de 2013

Professores sem conteúdo, escolas protegidas por núcleos... o de sempre

Há pouco, conversava com um aluno do Colégio Estadual Isidoro Cerávolo, de Apucarana, cidade que é sede de núcleo de educação no norte do Paraná. Tal colégio fica próximo do prédio do núcleo, e tem certa reputação por estar em bairro central. Usado pelo núcleo em cursos de capacitação e eventos. É fácil imaginar que exista um certo olhar diferenciado para o que acontece ali.
O aluno conhece um pouco das normas da educação. Filho de professor, sobrinho de dois diretores e de uma série de professores, deve ter passado muito tempo em reuniões familiares em que se falava sobre escola. Por isso, possui uma visão mais crítica que outros alunos a respeito das mazelas da educação.
O rapaz se mostrava indignado com o fato de alguns professores de seu colégio terem tentado impugnar o concurso público feito pelo governo, por não conhecerem os conteúdos das questões. Ele me contou que já passou por professores de literatura que nunca tinham ouvido falar em Inocência, do Visconde de Taunay, ou que não sabiam quem era Bernardo Guimarães. Esse nível de desconhecimento do próprio objeto de trabalho é sintomático: o professor internalizou um conceito elevado de leitura, e deve passar horas falando sobre as vantagens de quem lê. Mas ele não lê. Ou lê. Mas é como o comentário que vi ontem feito por um professor em rede social, em que ele dizia que Augusto Cury era o maior escritor que ele já tinha conhecido. Essa mentalidade que vê na leitura algo automático, como quem entra na chuva inevitavelmente se molha, faz com que esse professor leia textos que ele julga possuírem um efeito pragmático em sua vida. Diante disso, Machado ou Rosa, autores que caíram no concurso, são coisa de desocupado. O professor sabe quem são Bentinho ou Capitu, mas não faz a menor ideia do que esteja no conto “Teoria do medalhão”, ou em que este se parece com Quincas Borba. Saber, então, de que trata o conto “O burrinho pedrês”, com que Rosa inicia Sagarana, é um abuso que o sindicato vai procurar coibir, certamente dizendo que o professor não tem tempo para ler. Falar-se, portanto, em uma cultura humanista, que inclua arte e filosofia, é um estágio a que os educadores brasileiros jamais irão chegar.
O aluno se mostrava admirado porque, mesmo ele, sabe que existem livros como Inocência ou A escrava Isaura, já deve tê-los folheado em alguma biblioteca. Mas o professor, não.
Contou-me sobre o sistema de avaliação de tal colégio, que fere as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Um sistema em que, evidentemente, uma prova trimestral ganha foros de salvação para o aluno, e possibilita ao professor não ter que acompanhar o processo de aprendizagem do aluno. Essa prova é um dos três tipos de avaliação, tal como as deliberações estaduais determinam. Mas, eles dão a ela o valor 10,0 e juntam a dois outros modelos que valem 5,0 cada um. Então, divide-se por 2. O artigo 24 das LDBEN não permite que uma atividade pontual, como prova, valha a metade da nota. Os professores do Colégio Isodoro Cerávolo descobriram uma forma de burlar a lei e de, ao mesmo tempo, dizer ao núcleo que seguem o preceito das três formas de avaliação previstas. Mas, o peso dessa prova é de 50% da nota. E o núcleo diz que está tudo certo. O colégio está a poucas quadras de onde eles trabalham, muitos funcionários até devem dar aulas lá. Mas, como disse o rapaz, os professores gostam desse sistema, e os alunos também. Evidentemente, ele é feito para que se goste, mas não para que se atente para todo o conhecimento científico sobre avaliação. Possibilita que o professor dê uma única recuperação, a da prova, mesmo as leis federais e estaduais determinando que a recuperação deve incidir sobre todas as atividades feitas pelo aluno. Uma única vez, provavelmente uma paráfrase da prova original, se não for a mesma. Uma ação digna e típica de professor que procura cancelar concurso porque não sabe quem escreveu Inocência. Imaginar que ele saiba quem são Wallon ou Perrenoud, já seria supor um ensino finlandês nas terras vermelhas de Apucarana. Afinal, a maior contribuição dessa cidade para a educação brasileira foi a lei que torna obrigatório o uso de boné como parte do uniforme.
Quando é possível que uma escola burle as leis a poucas quadras de um núcleo que se autodefine como exigente quanto à legislação, torna-se piada questionar por que, em Curitiba, não há escolas públicas que sigam a legislação em vigor. Se ocorre no Paraná, imagine-se nos estados cujas capitais estão afastadas das cidades do interior...


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