Vejo fotos colocadas na
internet por alunos de escolas em que trabalhei. Como sempre, julho traz o que
eles chamam de “enrolação”, mas que é algo que adoram, tão arraigado na cultura
escolar quanto a merenda ou o bullying. Eles dão o nome de enrolação, mas nenhum nunca saberá como se escreve.
Transcorridos três dias
letivos de julho, já é possível saber que o mês será gasto em corridas do saco,
karaokês, ovo na colher e afins. Nada que não pudesse ser feito para se
comemorar o final ou o retorno das aulas. Mas é que essas gincanas servem como
pretexto para que não se tenha aula, inúmeros dias no ano. Depois de encerradas as gincanas, acontecem os
torneios. O mesmo de sempre: alguns alunos jogam, outros são obrigados a
aparecer para não levar falta.
Em outra escola, hoje os
alunos foram fazer um jogo de futebol na cidade vizinha. Como sempre, cinco
jogarão e os demais se espremerão em um ônibus até uma cidade onde os alunos
apedrejarão os visitantes na saída, e estes revidarão com palavrões. O
professor temporário há anos, indiferente, como normalmente é nas suas aulas,
sente-se em casa. Apenas a rotina de atirar uma bola para que moleques joguem;
sua função é de entregá-la e recolhê-la. Graças a ele, os colegas poderão ir
embora mais cedo. Já terão ido quando o ônibus chegar. Ou usarão o tempo para
fazerem livros de classe.
A comunidade ama esses eventos
e os defende com afinco. Não importa que o resultado sejam as marcas de pedras
no ônibus ou o desprezo com que os ruins de bola serão tratados. Tais eventos
acontecem, se repetem, são usados para reposição de aula. E a pedagoga dirá: “Nós
repusemos a carga horária, não as aulas.” Outros professores até combinarão
quais atividades poderão ser pouco atrativas, para o aluno não aparecer na
escola nas reposições aos sábados, caso haja paralisações em agosto. E eles
ficarão nas suas casas.
Mas, na maioria das vezes,
esses dias são vistos como um exemplo delicioso da alegria do brasileiro. A
lógica do povo que prefere bolas a livros torna-se tão necessária na escola
quanto o prato de fubá com salsicha. Os professores transmitem aos seus alunos
esse sentimento de orgulho pela própria malandragem, que prefere a quadra à
sala de aula, que faz alunos passarem o dia atrás de ovos e barbantes e, ao
final, considerarem a “enrolação” como uma atividade que socializa e “também
educa”, forma de se poder passar o ano dizendo ao aluno que a escola é o lugar
onde ele se diverte. Como se a molecada já não se divertisse o bastante fora
dela. Nas fotos de hoje, a professora malandra, que dava uma atividade valendo
10,0, única no trimestre, era quem comandava a bagunça. Bexigas e fitas, que
talvez valessem nota. Antes ela fazia cada aluno ler um poema e isso valia como
única nota, mesmo sendo proibido por leis federais e estudais. A atividade oral
permitia à professora não ter que gastar seu tempo corrigindo tarefas. E se,
além de oral, for uma nota coletiva, para uma equipe de vinte ou mais alunos,
melhor para ela. Vai poder ver os programas de auditório no domingo, já com as
notas fechadas.
Semanas assim se repetem.
Existe a semana “do saco cheio”, que emenda dia das crianças com dia do
professor, sempre sem aulas, ou a semana do dia do estudante, em que se fazem
festinhas. E, como se diz, “tudo educa”, até mesmo a falta de alunos e
professores. Ou o karaokê, em que alunos cantam letras de sentido pornográfico.
Soa estranho esses
profissionais fazendo passeatas com faixas pedindo mais escolas e menos
estádios, ou dizendo que os professores deveriam ganhar como os jogadores. Nas
escolas, impera a mesma ideologia do povo feliz que suporta os compromissos em
jogos e danças. Um povo que jamais trocaria a quadra ou o estádio pela sala de
aula. Mas que poderia, sim, sair às ruas para pedir melhorias na educação,
desde que isso pudesse representar mais um dia sem aula.
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