Evidentemente, as greves dos
professores universitários ocorridas no ano passado impulsionaram o movimento. Fizeram
com que os profissionais da educação, há anos recitando como uma religião a
cartilha do governo do estado, tomassem o gosto pela ideia. Afinal, a imagem do
professor como um engajado em causas sociais (ele que ajudou durante décadas a
implantação dos ideais da ditadura e repete até hoje nas salas de professores
que aquela época era melhor) é o que faz com que a escola pública tenha deixado
de lado o debate sobre as ideologias para acatar e propalar apenas uma (aquela
representada por um professor de história de uma escola do interior paranaense que,
depois de levar uma turma a um acampamento de sem-terras, não aceitou que os
alunos tivessem feito os seus relatórios contestando a causa ali defendida, e
conseguiu com a direção do colégio que os mesmos fossem excluídos de todas as
excursões até que terminassem o ensino médio).
O governo foi tímido ao tentar
uma mudança, pequena, tateante, no estado de coisas construído ao longo de
alguns anos. Tal como, na década de noventa, qualquer povoado de mil habitantes
conseguiu sua emancipação política, até que os de duzentos também começaram a
pedi-la, as escolas foram sendo objeto do empreguismo que sempre representou a
instituição pública. Uma das formas de fazê-lo foi a eliminação de testes seletivos
para a contratação de professores com cargos temporários. Há tantos professores
dando aula que apenas têm a matrícula de ingresso na faculdade, que seria um crime
para os locais onde a população depende de cargos públicos acabar com o bem de
todos e felicidade geral da nação. Por isso, bastava se pensar em um conteúdo
como importante para a formação do aluno, e logo ele estaria elevado à
categoria de disciplina obrigatória. É o caso da filosofia, disciplina confundida
com autoajuda e catequese. E da sociologia, que era uma espécie de discurso de
abertura de campanha da fraternidade. As pessoas formadas nessas áreas todas
bem longe do ensino público. O mesmo acontecia com a suspeita de inserção de
música na grade curricular. Presume-se que a existência de uma disciplina
chamada arte já evidencia a inclusão da música como conteúdo. Ledo engano. Outra
forma de criação de cargos é representada pelos projetos de extensão, que servem
como um pretexto para que o professor contratado temporariamente tenha que
voltar no ano seguinte. Projetos às vezes criados às pressas, apenas para esse
fim.
A retirada de algumas dessas
disciplinas da grade curricular era apenas uma questão de tempo. As escolas vêm
tentando melhorar seus índices de aproveitamento, mas era comum que disciplinas
básicas, como português, matemática e história, perdessem carga horária. É
evidente que conhecimentos essenciais à formação humana sejam observados pela
escola. Filosofia, sociologia, cultura brasileira, tantas outras, até mesmo
conhecimentos corriqueiros, como educação para o trânsito, interessam à escola.
Mas é óbvio que não se pode incluir tudo isso no ensino de meio período que a
escola encolhe com festinhas, gincanas, ou a troco de nada. Se a escola
conseguisse despertar o interesse pelas ciências ou pelas artes, já estaria assegurado
que pelo menos uma minoria as buscaria fora da vida escolar.
O mesmo ocorre em relação ao
ensino de educação física. Virou moda nos anos noventa a vontade de formar
atletas dentro das quadras improvisadas das escolas públicas. O calendário
escolar se encheu de eventos municipais, regionais, estaduais, que demandam
treinos, viagens, cessão do espaço escolar para hospedagem. Algo que, na
prática, resulta em um processo de exclusão de alunos que não fizeram do
esporte sua única preocupação. As escolas passam o ano comprando medalhas para
aqueles dez ou vinte alunos que adoram esportes, e ignoram os que se destacam
nas outras áreas, sobretudo arte e ciência. E os projetos de extensão, na sua
maioria, também são complementos das aulas de educação física. Três aulas
semanais de educação física, quando arte dispunha de duas, ou duas aulas no
ensino médio, quando português dispunha de três, são um excesso.
Quando o governo fez alterações
na grade curricular, já ao final de 2012, o estado de coisas ficou inseguro.
Afinal, os professores que ministram disciplinas com duas aulas semanais
precisam de escolas grandes, ou têm que percorrer estabelecimentos em busca de
aulas que completem sua carga horária. Natural, ou a grade curricular, com
vinte-e-cinco aulas semanais, teria que ser formada por umas cinco disciplinas.
É matemático. Mas o aumento de aulas da disciplina, antes ocorrido, levou à
contratação de professores. Se não houvesse tantos professores com contratos temporários,
haveria motivos para uma catástrofe. A existência dos mesmos prova que existem
aulas disponíveis para os concursados. Não querer se deslocar de em
estabelecimento a outro já é um problema matemático. Não se pode submeter a
grade curricular ao fato de um profissional querer essa comodidade. Da mesma
forma, é necessário que se faça uma redistribuição de cargos para esses profissionais,
de forma que a mudança não impossibilite o exercício da função. A mudança não
foi planejada pelo governo. E essa irresponsabilidade pode ser motivo para uma
greve. Mas querer o estado de coisas tal como estava, apenas para que os
professores não precisem trabalhar em mais de um estabelecimento, é algo
ilógico.
É muito provável que o problema seja resolvido
colocando-se professores de educação física para dar aulas de português ou
matemática, disciplinas que ganharam aulas. Seria algo já feito, ratificado por
outros governos. E a lógica do empreguismo público diria: “Se eles não querem
que a qualidade do ensino piore graças a esses professores fora das suas áreas,
que criem aulas para eles e contratem mais professores temporários formados nas
suas devidas áreas.” A mesma regra condicional que justifica as greves. O aluno
deve perder.
As questões salariais e de
implementação de hora-atividade representam uma luta da classe docente. O
governo cria leis que levam anos para serem implementadas. Ou não obedece a direitos.
Em contrapartida, o professor ignora as propostas curriculares oficiais e a
carga horária legal. Essa relação de “se isso, então aquilo” mantém a categoria
em uma condição de desvalorização, e o ensino em um nível de puro improviso.
A categoria estava precisando de
um abalo que a fizesse querer a greve, tal como o adolescente espera ávido por
uma plateia para a qual possa mostrar o drible que andou treinando. Governo e
docentes têm razões e culpas.
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