A maravilha que ilustra esta página é uma cópia escaneada de uma ata feita no Colégio Estadual Padre Gualter Farias Negrão, de Cruzmaltina, interior do Paraná.
Trata-se uma situação corriqueira a do aluno que espera o final do ano para entrar com um recurso após a sua reprovação. A ata se refere a uma primeira convocação de conselho de classe, para rever tal reprovação. O conselho a manteve. Mas a história seria estendida até o mês de março do ano seguinte. E terminaria com uma inevitável aprovação do aluno.
Não é a primeira situação de recurso que vejo acontecer. E, normalmente, ela vem como um ultimato ao conselho de classe, e nunca como uma possibilidade de deliberação. É comum que o núcleo insinue nas comunicações sobre recursos que, se os professores mantiverem a reprovação, serão convocados novamente para reuniões. Em março de 2012, um aluno de sétimo ano da Escola Estadual Ângelo Trevisan, de Curitiba, deixou claro a uma pedagoga, que o interpelava pelo fato de não trazer o material escolar às aulas, que seu pai lhe dissera que bastava um recurso e ele seria aprovado, e que realizar as atividades pedidas não era sua intenção. (Vou acrescentar aqui, posteriormente, a cópia da ocorrência feita pela diretora da escola.) Mas a resposta dada pela família foi uma ratificação das palavras do aluno.
O que especifica a situação ocorrida no Colégio Padre Gualter Farias Negrão é a vinculação da indústria de recursos a interesses nitidamente desligados da educação. A ata registra providências tomadas por professores, ao longo do ano letivo, como a convocação de responsáveis pelo aluno. Nota-se que nenhuma medida foi tomada, nem pela família nem pela área pedagógica. Nada que modificasse a atitude do aluno ou diagnosticasse a necessidade de medidas diferenciadas em relação a ele. A diretora chega a mostrar indignação por não ter sido informada a respeito da situação.
No entanto, esse jogo de máscaras ficou evidente com a reprovação do aluno e o já esperado recurso, diversas vezes propalado por aquele, quando matava aulas ou permanecia alheio às atividades pedidas. Era necessário aos recorrentes sumir com as provas contrárias ao aluno. Por isso, diretora e avó combinaram de dizer que o caderno fora queimado pelo professor. O fato levou o professor a fazer um boletim de ocorrência na polícia. Evidentemente, a avó não encontrou apoio financeiro para se defender. Procurou pessoas ligadas ao professor e levou-o ao núcleo de educação. Lá, fez um longo relato, devidamente registrado por escrito e na presença de testemunhas. Disse que fora procurada, fazia algum tempo, e que recebera a proposta de ter seu neto aprovado por recurso, em troca dos votos da família nos candidatos que a procuraram. Por isso, nada a incomodou: nenhum pedido de comparecimento à escola ou notas muito baixas. Deixou claro que a diretora estava envolvida na situação. Como era de se prever, usou as condições financeiras da família como um pretexto para ter aceitado o acordo. A avó retirou o pedido de recurso e assinou um documento em que relatava o ocorrido. Disse que ainda esperava poder contar a história na secretaria de educação. (O núcleo tem negado, mesmo através da Lei 12.527, o acesso a esse documento. Nega que ele exista, mesmo para quem o assinou.)
Apesar da desistência do recurso, a chefe do núcleo insistiu em aprovar o aluno. Em março, convocou um conselho, em que deixava claro que, enquanto a reprovação permanecesse, outros ainda seriam convocados. Essa mesma pessoa, posteriormente, enviaria às escolas um documento, lido nos conselhos de classe, em que ela dispensava de comparecer às aulas os professores que fossem à carreta de seu candidato. Não foi surpresa ver a avó do aluno revigorada pelas novas promessas que deve ter recebido, após a retirada da queixa na justiça.
Tais fatos fazem pensar na indústria de recursos como algo que ultrapassa a simples esfera pedagógica. A ideia do recurso como defesa para o aluno injustiçado parece não corresponder aos que, de fato, ocorrem. Já soube de aluno disléxico reprovado por quatro anos seguidos, sem que a escola sequer tivesse disponibilizado um diagnóstico. Diante desses casos, é comum que se veja o professor como autoridade máxima e o conselho como uma instância suficiente para deliberar. Mas não quando o aluno está evidentemente motivado a não estudar.
A postura moral desse aluno e das demais pessoas envolvidas em acordos escusos fazem com que fatos como este não possam ficar em surdina, diante das garrafas térmicas dos núcleos e dos diretores.
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