A garota que criou a página “Diário de Classe” está
participando do programa “Altas Horas”.
Percebe-se que ela está nervosa. Suas mãos tremem ou ela as
esconde entre as pernas. As respostas dela apenas repetem o que já disse em
outros programas, em reportagens de todo tipo. Mostra os defeitos da sua
escola. De uma escola que não parece ser das melhores, mas que certamente não
está em uma região miserável. Improvisos nas instalações, como fios expostos,
existem em todas as escolas públicas. Esgotos que vazam, vasos sanitários rachados,
portas sem trinco, tudo que pode ser visto nelas há décadas. Existe culpa da
escola, como na merenda que não contempla as necessidades alimentares. Merenda,
até onde me lembro, é algo feito apenas para enganar a fome dos alunos; uma preocupação
com valores alimentares já seria uma mudança no ensino público. Nesse nível,
ela já estaria lutando por uma causa nova no ensino. A troca das sopas e dos
panelões de fubá com salsicha por verduras e frutas seria algo para o décimo ou
vigésimo Plano Nacional de Educação que o governo implantasse. Na escola em que
estudei da primeira à sexta série, a merenda era uma sopa branca e os alunos a
tomavam em canecas de plástico que eles mesmos levavam, sem talheres. Só para
os alunos até a quarta série; para os mais velhos, não havia merenda. Mas as
paredes manchadas e os vidros quebrados eram como hoje. A maioria depredada
pelos alunos.
A garota está envolvida seriamente com esses detalhes. E
eles ferem a imagem da direção da escola. Assim como, para quem já estudou em
escola pública, constata-se o exagero dela ao querer ver no aluno a vítima
quando o assunto é estrutura, material, merenda. Grande parte dessa miséria é
culpa do aluno. O governo não dá tudo de que se precisa. Aquilo que dá, corre
sérios riscos de se tornar tempo perdido. O aluno reclama do calor, então a escola
faz uma festa e compra um ventilador que, duas semanas depois, está com as
hélices retorcidas ou foi arrancado. Um exemplo são as televisões que toda sala
de aula ganhou na década passada no Paraná. Quantas hoje não têm as teclas
arrancadas e as entradas USB coladas com Super Bonder? Os alunos de um colégio onde
trabalhei arrancavam equipamentos das sala de informática e jogavam pela janela,
para depois recolherem lá fora. O diretor contava isso com aquele ar de “eles
são danados, mas deixa assim.”
A aluna falava, no ano passado, de professores que ela
achava faltosos ou relapsos. Ela parou. Deve ter sofrido muita intimidação.
Deve ter visto muitas caras feias. E acabou ficando apenas nas fechaduras e nos
bebedouros. Aquilo que o governo pode instalar, consertar, melhorar. Mas ela é
nova demais para entender de ensino. Por isso, chovem os chavões sobre a
qualidade que é apenas ritual: o professor que chama o aluno de querido e dá
aulas divertidas, tudo para fazer com ele pinte bandeirinhas ou recite a letra
do hino da escola. Nada do que se possa chamar habilidade, conhecimento,
competência. Ela fala sobre a irmã que estuda em escola particular e que serviu
como paradigma para reclamar da sua. Uma pitada de inveja e a vontade de poder
dizer para a irmã que na dela também tem frango de merenda. Coisas de
adolescentes. Até porque a garota não depende de merenda. Quando ela diz que,
se os alunos brasileiros se unissem, a educação melhoraria, parece não saber
que a má qualidade do ensino corresponde exatamente ao nível de esforço que o
aluno quer despender com sua educação. Essa lei de ação e reação mantém o
sistema em equilíbrio: o aluno não se esforça e o professor diz que o pouco é o
limite daquele.
De fato, é surreal que uma garota denunciando o estado de
sua escola provoque tanto alarde. As pessoas deveriam saber que as escolas são
assim. Por isso, as ameaças de morte que recebeu parecem uma irracionalidade.
Quem ignoraria que as escolas públicas têm materiais quebrados, sujeira, merenda
ruim, fios emendados? Se ela estivesse falando de descumprimento de horário, de
aulas não dadas, de um sistema de avaliação contra as leis, de um ensino
baseado no achismo de pais e professores, de compra e venda de notas, seria uma
surpresa, e alguém poderia dizer que a pegaria na rua.
O caso se parece com um stand-up
que todos já viram, mas que provoca o riso da plateia apenas porque ela
está ali para isso.
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