Parece um contrassenso escrever em um artigo para uma
revista dizendo que o Paraná foi um estado pioneiro na elaboração de uma
proposta curricular condizente com os ideais de uma educação fundamentada
cientificamente. Isto foi o Currículo
Básico para a Escola Pública do Estado do Paraná. Na época, começo dos anos 90, surgiram os
planos docentes baseados em uma concepção oficial de disciplina. Quando o
governo federal elaborou o que é o currículo nacional brasileiro, no qual as
avaliações institucionais se baseiam, já era uma rotina no Paraná a adoção de
um currículo que tentava impedir as escolas e os professores de ensinarem as
suas crenças pessoais em vez do conhecimento científico organizado.
Lembro que em 2010, em um congresso na Unisinos, eu conversava
com Anna Rachel Machado, da PUC-SP, sobre o fato de que os documentos oficiais
do estado do Paraná, mandados para as capacitações docentes, proibiam o uso do
currículo nacional. A professora Anna Rachel riu muito disso, e chamou a
professora Inês Signorini, da Unicamp, que autografava um livro, para contar
isso a ela. Esta debochou da atitude do governo daqui. Nós estávamos em um
coquetel na livraria da universidade. E a nossa conversa foi interrompida pela
chegada da governadora, que causou um grande desconforto, graças ao esquema de
segurança que ela conduzia. Ela estava em dias de manifestações populares pela
sua cassação. Veio conversar com as professoras. Por isso, a professora Anna
Rachel combinou de a gente conversar sobre isso no dia seguinte, após as
conferências. Disse que esse assunto lhe renderia um artigo. O que chocava a
professora, que naquele evento fora chamada por Bronckart de “a maior
autoridade no ensino de línguas no Brasil”, era o descumprimento de uma lei
federal, como um currículo nacional em vigor. Essas coisas só aconteciam no
Brasil, como ela disse.
Existem as concessões políticas, que geram enganos. Mesmo
assim, não é possível não ver no esforço dos governos, seja o estadual ou o
federal, um motivo para um reconhecimento do valor de sua atitude. Essa
preocupação com a educação, mostrada já no primeiro governo Requião, na década
de 90, era uma atitude no sentido de disciplinar escolas e professores, coibir
os achismos, a conversa fiada dos professores formados pela ditadura. Já o esforço
do governo Fernando Henrique Cardoso em dar essa mesma perspectiva científica
ao país todo era algo essencial naquele momento. Tal como universalizar o
acesso à escola, era necessário dizer que não se tratava de uma brincadeira,
mas que tudo era feito com sérios objetivos. Por isso, algumas das melhores
cabeças do país escreveram uma proposta curricular científica e moderna. Os Parâmetros Curriculares Nacionais estão
em vigor, com o valor de decreto-lei. O defeito estava no fato de colocar na
mesma cesta um estado como São Paulo e outros como Maranhão e Piauí.
A atitude do governo Lerner foi de capacitar os docentes,
principalmente aqueles formados segundo as ideologias da ditadura e sem visão
científica, pois as universidades haviam melhorado muito a formação de docentes
após a redemocratização. Os novos professores já sabiam o que iriam encontrar
nos programas de capacitação. Aqueles antigos achavam tudo desnecessário, e
faziam suas avaliações apenas para concluir os cursos, reclamando. Mas era sobretudo
a cobrança para que todo plano docente seguisse os parâmetros nacionais que
demonstrava a seriedade dos objetivos daquele governo. O ensino tinha objetivos
universais, e a aprovação era a consequência.
Quando o governo Requião começou a elaborar uma proposta
curricular paranaense, ele ouviu os professores. Alguns escolhidos. Mas a
tônica dos encontros acabava sendo sempre as condições de trabalho do docente,
porque os professores não se interessavam pela discussão de concepções e
metodologias: queriam apenas falar sobre médias, aprovação em conselhos de
classe, a falta de hora-atividade. Foi uma alegria imensa ver a proposta
paranaense elaborada, madura, científica, sem que o blá-blá-blá docente
respingasse nas concepções de disciplina adotadas pelo currículo. A voz do
professor aparece no abandono de uma concepção moderna de avaliação, a que está
na proposta nacional, por algo que permite ao professor o achismo e o
improviso, e traz de volta um modelo quantitativo, enquanto o resto do país
caminha no sentido de abandonar o modelo da ditadura. O Paraná regrediu em seu
modelo de avaliação. Viu no aluno um depósito de informações, das quais o
professor é portador. Agradou os sindicalistas, ao colocar o professor acima de
Vygotski e Piaget.
Mas a proposta curricular paranaense era moderna,
científica, avançava em relação à proposta nacional, no que se refere a
conteúdo e metodologia. O esforço do governo Requião para que sua proposta
fosse seguida foi algo digno de quem se interessa por educação. O governo
estava fazendo a parte dele. As propostas eram feitas a partir das Diretrizes Curriculares Estaduais, mas o
professor não as efetivava na sua prática. Continuava, muitas vezes, na época
da ditadura. E as pedagogas faziam vistas grossas, esquecendo que uma de suas
funções é fazer com que a ação docente corresponda à proposta estadual. Mesmo
assim, havia os cursos de capacitação, e uma esperança de que um dia o
professor agisse de modo científico. Mesmo à custa de ofertas em dinheiro, como
tantos programas de capacitação acabam sendo.
De fato, os governos quiseram melhorar a educação. Não há
que se culparem, pelo menos os governos estaduais, pelos índices de desempenho
dos alunos. As escolas receberam equipamentos, mesmo os estudos científicos mostrando
que o impacto disso tudo sobre os resultados dos alunos é algo irrisório. Deve
ser sintomático que uma escola de Tamarana, humilde e interiorana, seja a
melhor escola pública do estado. Nada de acrílicos, computadores sobrando,
quadras imensas. Apenas a noção de que existe uma proposta curricular séria (ou
mais de uma, pois a lei não permite contradição entre o currículo federal e o
estadual), que deve ser seguida. E de que os achismos de professores devem
ficar restritos aos seus cadernos dos tempos de ditadura.
E, no entanto, ainda querem responsabilizar os governos
pelos índices de fracasso da educação brasileira. Lembro que, em 2009, mandei
flores e um cartão para a secretária de educação do município em que lecionava,
ao perceber que os alunos chegaram à quinta série com as habilidades esperadas
para a série. Não era mais preciso dizer aos alunos de onze anos que o S
intervocálico tem som de Z, ou que a conversa deles na hora do lanche é um
texto.
Nada disto chegou à capital do estado, que continua tecnicista,
anticientífica, feita de achismos e de pirotecnia propagandista. A proposta
curricular seguida na capital ainda é a lei 5692, da era Médici.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.