Na última segunda-feira, no programa Roda Viva, da Tv Cultura, o professor Mangabeira-Unger apontava o
fracasso da educação brasileira a partir do modo como se avalia no país. Para
ele, nosso sistema de ensino se preocupa com a paráfrase: o aluno apenas deve
repetir o que, em algum momento, foi transmitido pelo professor. Nenhuma
preocupação com a construção de habilidades, e o professor de Harvard se
referia, sobretudo, às habilidades de linguagem e matemáticas.
Não adianta insistir. A prática pedagógica brasileira se
inspira na Didática Magna, de
Commenius, que é do século XVII. Mas quem disse que o professor brasileiro já
saiu daquele século? Ou melhor, o professor paranaense combate seriamente o
ensino que se preocupa com o conhecimento. Para ele, a paráfrase é sim o
objetivo final do ensino. Essa forma de checagem da habilidade de memorização
de curto prazo dá origem aos diversos instrumentos de avaliação que
possibilitam que aquele moleque de quatorze anos que dirige o carro do pai e,
com muita frequência, apareça nos jornais como culpado por acidentes graves,
possa deixar sob a responsabilidade desse mesmo paizinho a realização das suas
atividades de paráfrase. Passa a ser comum a presença daquela sobrinha de
diretora, para quem as colegas copiam as lições do quadro, para quem apontam o
lápis, e que essa mesma garotinha venha no dia seguinte com suas atividades
feitas por um adulto. Ou que aquele garotinho com alguma síndrome possa passar
todo o ano letivo circulando pelos corredores, enquanto as pedagogas tomam
litros de café e passam os dias colando lembrancinhas para algum coquetel. Na
sala do garotinho, os demais alunos falam que ele nunca fez atividade nenhuma,
mas é parente de uma funcionária de alguma repartição, por isso, é aprovado sem
que as pessoas pagas para darem um encaminhamento ao seu problema parem de
recortar florezinhas.
Posso relembrar a frase de um diretor de escola, em 2007,
que havia sido meu professor em 1986: “Mais de trinta anos trabalhando em
escola, como professor ou diretor, e nunca vi um único problema pedagógico ser
solucionado por alguma pedagoga.” A frase veio de um professor disciplinado,
conhecedor das suas disciplinas. Ele se
referia à solução de problemas pedagógicos. Mas, para as pessoas, como pais, ou
como as pedagogas que compraram o diploma em 36 vezes, solucionar um problema
pedagógico significaria proporcionar meios de o aluno realizar as suas
paráfrases. O que significa: deixar que ele leve suas tarefas para que os pais
paguem para que outros façam, ou que estes mesmos tentem fazer, a partir de sua
visão setecentista do que seja um trabalho de qualidade. Essa indústria da nota
sustenta a escola pública. E ela que faz com que aquele aluno medíocre, filho
de gente de APMF, e que depende dos colegas para ter tarefas prontas, apareça
sozinho em fotos oficiais da escola, enquanto todos os demais alunos só
aparecem com suas turmas.
São os mesmos pais que votam para prefeito em um candidato
citado pela principal revista do país como suspeito de enriquecimento ilícito.
Os mesmos que dão as chaves do carro para o filho adolescente dirigir. Em
Curitiba, 50% das alunas em final de ensino fundamental já usaram tabaco, e 40%
dos alunos também. E as pesquisas mostram que o hábito, nelas, é impulsionado
dentro de casa. Por essa mãe que vai à escola e defende a filha que foi
flagrada dançando com a calça abaixada até o joelho no pátio. Essa gente que
está preocupada com uma CPI lá em Brasília, mas que fomenta a corrupção, leva o
filho a achar que pode oferecer dinheiro ao professor para obter nota. Tenho
aqui comigo duas gravações em áudio em que alunos de uma escola de classe média
alta de Curitiba insinuam que não precisam se preocupar com conhecimentos e
habilidades, pois têm dinheiro para praticarem suborno. Em uma delas, o aluno de
oitavo ano faz alarde de uma nota de cinquenta reais em sua mão. Em outra, o
garotinho de sétimo ano diz que seu pai falou que basta a escola criar um
processo e ele é aprovado. Tenho comigo uma declaração assinada pela avó de um
aluno, em que ela afirma haver recebido, por pessoa ligada a um órgão regulador,
uma proposta para entrar com processo contra um professor, em troca dos votos
da casa a um candidato.
Os pais que “entram no jogo” e fomentam o fracasso da
educação geram um estado corrupto, perto de quem os subornos a deputados
parecem passados em um universo paralelo. Tais deputados aprenderam a ser
corruptos, deduz-se, através da relação que tantos pais mantêm com a escola
pública. Os deles talvez.
Logicamente, isso cria o nosso sistema de paráfrases, a que
se referia Mangabeira-Unger. Cria o professor do século XVII. Sem uma educação em
que apenas se repitam palavras já ditas, não há o trabalho colado da internet, a
prova bimestral, os questionários respondidos em casa. Quem já viu Jô Soares
recitando as “pérolas” escritas por alunos sabe que aquilo tudo é apenas erro
de paráfrase. Se o aluno repetisse as falas do professor, também não seria
conhecimento. Mas fica o chavão de que o autor de cada pérola é um parvo
(daqueles que usavam chapeuzinhos humilhantes no tempo em que nossos professores
ainda vivem) apenas porque ele não consegue repetir a fala do professor. Os
pais acham que escola é isso e recebem essa noção do paizinho tal como a chave
do carro ou o tabaco. Fico pensando no quanto os pais dos meus alunos teriam a
ensinar ao tal de Cachoeira.
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