Tenho em minha frente uma das edições anteriores da Revista
Veja, em que se fala sobre abuso sexual. Era um dos assuntos polêmicos daquela
semana.
Há poucas horas, olhava na internet a página I Am A Child,
que mostra o modo como a arte representou a infância ao longo da História. Ou
melhor, apenas a pintura. De como essa arte olhou tanto para as belas crianças
cujos pais podiam encomendar retratos a pintores como Renoir e Sargent, como
para aquelas que aparecem nas ruas embrulhadas em jornal. A arte fez isso. A
escola, não. Jamais atentou para as diferenças, sem insinuar a necessidade de
mascará-las. Implanta uniformes, diz que lá todos são iguais, exatamente para
legitimar a exclusão dos difrentes.
A ligação dos dois assuntos me fez pensar, de um modo quase
automático, em uma dessas crianças que a escola pública estigmatiza, através de
uma forma de abuso, também de natureza sexual, chamado homofobia. Aconteceu há
dois meses, em Curitiba, com um aluno que era, nesse universo de crianças sem
competências desenvolvidas, um artista, um pintor das ruas.
Parece estranho mas, em 2012, um aluno de cerca de onze anos
foi ferozmente perseguido dentro da escola em que estudava, a ponto de passar a
ter traumas e a evitar comparecer às aulas. Na época em que a homofobia é
assunto em pauta, e os ministros do Supremo Tribunal optam pela criminalização
da discriminação sexual, uma escola faz de um garoto a vítima preferida
daqueles alunos vistos como dentro de uma pretensa normalidade, ou adequação
aos preceitos morais de uma clientela que ainda considera a homossexualidade algo
doentio, a ser curado através de uma lista de atitudes. Em princípio, esse
aluno é aquele que se isola na hora de formar a fila de entrada. Ele é o
primeiro da fila. O segundo se dispõe a, pelo menos, um metro dele. Na sala de
aula, ocupa a última carteira da última fila. Mudando-se o aluno de lá, ele
tornou-se visível. A sua condição de humilhado resultou na recusa em comparecer
à escola.
Seria possível uma ação educativa, mas a intervenção
pedagógica nas escolas se reduz a separar meninas que trocam insultos entre si,
mas nunca ao acompanhamento de um caso que exige, de quem é formado em
pedagogia, uma postura esclarecida e livre de crenças pessoais arraigadas.
Novamente, a escola age como se diagnosticasse uma doença moral através de
indisfarçáveis sintomas. O aluno usa um brinco, possui cabelos mais longos que
a maioria. Enfim, a escola dá razão aos perseguidores e, de forma implícita, acha
que, se aquele aluno não mudar suas atitudes, ele será até o último dia uma
vítima dos demais. E a escola, nessa mesma visão, pensa que nem se pode falar
nada que abone o aluno, pois ele estaria dando motivos para ser alvo de
preconceito, perseguição, bullying,
ou qualquer outro termo que resuma a atitude de discriminar. Tal como acontece
com tantas vítimas de violência sexual, a vítima aqui é vista como culpada por
induzir à agressão.
Lembro de um dia ter chegado ao estacionamento de tal escola
e, enquanto abria o porta-malas para pegar meus livros, ouvir o final de uma
conversa em que a diretora aconselhava a um responsável pelo aluno que tomasse
medidas para torná-lo mais másculo aos olhos dos demais, como evitar a
companhia de mulheres. De novo, as velhas crenças que as vovós possuíam acerca
de meninos maricas, que eram motivo de sarro entre os primos.
O fato é que, dias
depois, o aluno estava transferido. A escola optou por acatar que o aluno não
tinha mais condições de frequentá-la. Ou seja, os seus perseguidores venceram.
Era melhor aconselhar que a família mudasse a conduta de uma criança que alguns
alunos tinham escolhido para humilhar, que fazer com que estes últimos
passassem por medidas educativas.
A sexualidade de um aluno não é algo para a escola julgar a
partir de critérios de quem a administra ou frequenta. Nem de qualquer outro
critério. Nem interessa aqui saber se os motivos que levavam alunos a
declararem um colega como homossexual encontram algum fundamento. A sexualidade
pertence ao âmbito da vida pessoal, e não deve ser posta sob a condição de
julgada pela escola pública. Um fato que comprova o que aqui é contado aconteceu
na semana seguinte à cena anteriormente referida: uma garota adentra a sala de
uma pedagoga, ofegante, e nada poderia fazer com que sua indignação a
silenciasse, nenhuma presença ou regra do regimento, pois as colegas, segundo
ela, estavam se referindo a ela pelo nome de uma cantora homossexual. Em vez de
buscar uma argumentação que fugisse da homofobia que motivava a revolta da
aluna, a pedagoga perguntou se a cantora era homossexual assumida, deixando
claro que, diante de tal fato, ela deveria sim chamar as colegas da menina para
uma advertência. Neste caso, a aluna estaria, para a escola, em seu direito de
se sentir ofendida. E a pedagoga registraria em seus cadernos que um dia as
alunas Fulana e Sicrana ofenderam a aluna Beltrana ao terem se dirigido a ela
usando o nome da renomada cantora.
Ao longo dos anos, era comum no interior do estado ver a
pedagoga de cidade pequena justificando ações de alunos problemáticos através
de comentários de conhecedora da comunidade, mas não de interventora
pedagógica: esse aluno já foi violentado pelo pai; essas garotas não podem
tomar banho com a porta fechada, porque o pai faz questão de vê-las nuas; essa
garota faz exame toda sexta-feira, para se verificar se o padrasto não a
violentou. Coisas que passam a integrar uma ficha informal do aluno, e se torna
um fator para que nunca se discutam seus fracassos ou atitudes.
Certamente a discriminação sexual nas escolas é uma forma de
agressão. Não se compara à violência sexual física em gravidade. Pode ser a
ação de desinformadas crianças ou adolescentes, que ofendem e discriminam pela
exclusão, por ofensas morais. E que ofendem de modo contumaz. Podendo provocar
essas mudanças urgentes de escola, vistas como medida paliativa, já que a
escola não fará nada de educativo para mudar isso.
Outra vez, a escola vai passar as décadas sustentando as
crenças arraigadas de uma sociedade que já não existe mais, mas que ela quer
manter, com seu comodismo e desinformação.
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